Todos nós temos um tio excêntrico que suscita uma certa inquietação na família.

Pois bem. Eu tenho o meu tio esquisito: “Tio Jacaré” – aquele tipo de quem já lhes falei.
Quando me lembro de sua figura macilenta, quase ascética, sua imagem me vem logo à mente – e suas manias e hábitos taciturnos também.
Caminha quando todos param; cala quando palram. Dorme de olhos bem abertos e sorri quando alguns choram. Parece perceber, como no conto derviche de Zadig, os eventos ordinários como espécie de arrebatamento numinoso. Alguns se incomodam com seus fundos olhos sanpaku, “olhar caleidoscópico” – diz – “vê o duplo do duplo do duplo”.
Verdade seja dita: Tio Jacaré sempre acerta, errando pelas ruas, distraidamente.
Ultimamente diz que tem sido assaltado por ideias muito originais antes de se entregar completamente aos “oneiros suaves e gentis” – como chama seus amigos invisíveis.
Suspeito que nunca sabe o que fazer com suas ideias.
Com certo amargor, confidenciou-me esta manhã: “nunca adormeça com uma boa ideia, camarada. Poderá vê-la realizada por outrem no dia seguinte”.
Tio “Jaca” segue sonhando e tendo boas ideias que outros logo realizam na manhã seguinte.
O velho inspira cuidados…
Dr. SJ. Desculpe-me a impertinência e a covardia de escrever esta carta. Mas é que suas postagens sobre o personagem “Tio Jacaré” causaram-me uma grande confusão emocional, pois não me parece que ele seja uma pessoa mal intencionada, nem desrespeitosa com seus pares. Parece ser uma pessoa que sonha grande demais. Talvez não faça premonições, mas quem sabe a lógica não lhe fundamente a intuição e neste ponto se arriscou a fazer ponderações na cova de grandes leões egocêntricos.
Talvez, também, seus sonhos tenham se tornado um fardo muito grande para se carregar sozinho e durante a travessia ficou doente – perdendo a noção das fronteiras com os novos conceitos. Penso, ainda, que talvez tenha se embrenhado solitariamente em seus “sonhos” e por “falta de orientação correta,” se enfiou em mares cada vez mais profundos.
Que sabe tenha passado anos batalhando nas madrugadas e ficado doente… Por isso aparenta ser um desleixado, asceta, incompreendido pela sua família. Talvez ele esteja angustiado por uma resposta, seja para colocar um ponto final em suas loucuras seja para ajudá-lo a concretizá-las.
Em verdade, até chorei pelo personagem – Tio Jacaré. Ao que parece ele precisa de alguma ideologia – um legado qualquer para quando Tânato chegar – e isso o torna um ser solitário e incompreendido.
Quem sabe o Dr., com toda a sua sabedoria, não consegue colocá-lo em contato com o Dr. Ermitânio Prado, para uma prosa sincera, um café. Isso seria uma atitude de grande benevolência com o Tio Jacaré, que deve estar agora em profunda agonia com suas ponderações sobre sua pessoa… Abraços! A.
Tema relacionado: Cartórios de Minas Gerais adotam selo eletrônico [Mirror]