RCPJ – transformação societária

Prouni

O caso hoje destacado na série Koll debates refere-se a uma peculiar exceção à regra que impede a incorporação de sociedades limitadas por associações civis.

A Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo tem entendido que pessoas jurídicas de naturezas diversas – submetidas, portanto, a regimes jurídicos diversos – não podem ensejar operações de transformação societária como incorporação, cisão, fusão etc.

O fundamento básico para as decisões denegatórias, que se sucedem no mesmo diapasão, repousa na ideia de que as associações civis são formadas e se mantém pelo concurso de pessoas, físicas ou jurídicas, com objetivos não econômicos, inexistindo, entre os associados, obrigações recíprocas (art. 53 do Código Civil). Já as sociedades “constituem-se de pessoas que somam esforços ou recursos para atingir objetivos de natureza econômica, partilhando entre si os resultados (art. 981 do Código Civil)”.  Continuar lendo

As ideias nascem e morrem na madrugada

Todos nós temos um tio excêntrico que suscita uma certa inquietação na família.

Pois bem. Eu tenho o meu tio esquisito: “Tio Jacaré” – aquele tipo de quem já lhes falei.

Quando me lembro de sua figura macilenta, quase ascética, sua imagem me vem logo à mente – e suas manias e hábitos taciturnos também.

Caminha quando todos param; cala quando palram. Dorme de olhos bem abertos e sorri quando alguns choram. Parece perceber, como no conto derviche de Zadig, os eventos ordinários como espécie de arrebatamento numinoso. Alguns se incomodam com seus fundos olhos sanpaku, “olhar caleidoscópico” – diz – “vê o duplo do duplo do duplo”.

Verdade seja dita: Tio Jacaré sempre acerta, errando pelas ruas, distraidamente.

Ultimamente diz que tem sido assaltado por ideias muito originais antes de se entregar completamente aos “oneiros suaves e gentis” – como chama seus amigos invisíveis.

Suspeito que nunca sabe o que fazer com suas ideias.

Com certo amargor, confidenciou-me esta manhã: “nunca adormeça com uma boa ideia, camarada. Poderá vê-la realizada por outrem no dia seguinte”.

Tio “Jaca” segue sonhando e tendo boas ideias que outros logo realizam na manhã seguinte.

O velho inspira cuidados…

Dr. SJ. Desculpe-me a impertinência e a covardia de escrever esta carta. Mas é que suas postagens sobre o personagem “Tio Jacaré” causaram-me uma grande confusão emocional, pois não me parece que ele seja uma pessoa mal intencionada, nem desrespeitosa com seus pares. Parece ser uma pessoa que sonha grande demais. Talvez não faça premonições, mas quem sabe a lógica não lhe fundamente a intuição e neste ponto se arriscou a fazer ponderações na cova de grandes leões egocêntricos.
Talvez, também, seus sonhos tenham se tornado um fardo muito grande para se carregar sozinho e durante a travessia ficou doente – perdendo a noção das fronteiras com os novos conceitos. Penso, ainda, que talvez tenha se embrenhado solitariamente em seus “sonhos” e por “falta de orientação correta,” se enfiou em mares cada vez mais profundos.
Que sabe tenha passado anos batalhando nas madrugadas e ficado doente… Por isso aparenta ser um desleixado, asceta, incompreendido pela sua família. Talvez ele esteja angustiado por uma resposta, seja para colocar um ponto final em suas loucuras seja para ajudá-lo a concretizá-las.
Em verdade, até chorei pelo personagem – Tio Jacaré. Ao que parece ele precisa de alguma ideologia – um legado qualquer para quando Tânato chegar – e isso o torna um ser solitário e incompreendido.
Quem sabe o Dr., com toda a sua sabedoria, não consegue colocá-lo em contato com o Dr. Ermitânio Prado, para uma prosa sincera, um café. Isso seria uma atitude de grande benevolência com o Tio Jacaré, que deve estar agora em profunda agonia com suas ponderações sobre sua pessoa… Abraços! A.

A.
Tio Jaca é infenso a leões e lesmas. Dá na mesma, para ele. Está com um pé entre nós; o outro enfiado nas estrelas. SJ.

Tema relacionado: Cartórios de Minas Gerais adotam selo eletrônico [Mirror]

Alienação fiduciária em debate

AF

Mauro Antônio Rocha é conhecido de todos os que se devotam ao estudo do direito real imobiliário. Advogado graduado pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-graduado em Direito Imobiliário e Direito Registral e Notarial é o Coordenador Jurídico de Contratos Imobiliários da Caixa Econômica Federal.

Mauro Rocha alia sua boa formação teórica com uma valiosa prática que decorre de sua atividade de coordenação jurídica dos contratos imobiliários da Caixa Econômica Federal. Como advogado, vivencia, na prática, os problemas que vão surgindo no mundo do crédito imobiliário. Vivemos uma etapa importante de concretização plena da Lei 9.514/1997 no enfrentamento dos problemas que surgem com a execução extrajudicial do crédito inadimplido.

Mauro Rocha no oferece um decálogo de conclusões que o Observatório do Registro submete à discussão dos leitores deste blogue.

Dê sua opinião. Participe das discussões. As contribuições serão levadas a debate nas sessões que se realizam na Sala Elvino Silva Filho. Continuar lendo

A ultratividade da garantia real nas operações de crédito rural

credito-rural_905Pergunta-se: no penhor rural o prazo da garantia pode dissociar-se daquele pactuado na obrigação? Em outras palavras: é possível a chamada “renovação simplificada e automática” com a concessão de novo crédito, mantida a anterior garantia? É possível a dissociação entre o prazo da garantia e o do vencimento da obrigação garantida?

Na Ap. Civ. 0000344-60.2015.8.26.0614, abaixo indicada, o tema volta a ser enfrentado pelo Conselho Superior da Magistratura de São Paulo. A velha questão parece voltar à balha em razão da alteração da redação do art. 1.493 do Código Civil e do art. 61, do Decreto-lei 167/67 pela Lei n. 12.873/13, com a supressão dos prazos antes previstos. Especialmente, a questão volta a ser agitada em razão de uma modalidade de operação de crédito rural, disciplinada pelo Banco Central do Brasil.

No v. aresto paulista alude-se a esta regra administrativa. Aparentemente, ela se acha consubstanciada na Resolução 4.106, de 28/6/2012, que alterou as disposições do Manual de Crédito Rural, especialmente no item 30, que, dentre outras disposições, trata da chamada renovação simplificada e automática que pode ocorrer no dia seguinte ao pagamento do crédito referente à safra anterior. Liquidada a operação de crédito anteriormente pactuada, outro financiamento automático é concedido, nos termos das regras do BACEN.

Todavia, as operações de crédito autorizadas pelo Banco Central não podem chegar ao ponto de alterar a natureza mesma dos instituto jurídicos. Tratando-se de um título de crédito, expirado o prazo final para pagamento e adimplida a dívida, a garantia, elemento acessório da obrigação, não pode estender-se “simplificada e automaticamente”. No entendimento do Conselho Superior da Magistratura, a chamada renovação simplificada nada mais seria do que uma nova contratação, “o que não pode ser feito com a utilização de título de crédito cuja exigibilidade já não subsiste”.

Na verdade, o tema não é novo no âmbito do Conselho paulista. Assim já se havia decidido na Ap. Civ.  9000002-51.2011.8.26.0252, Ipauçu, j. de 18/3/2014, DJ de 5/05/2014, rel. des. Elliot Akel, na esteira de inúmeros precedentes que podem ser colhidos no dito aresto.

O Colégio Registral do Rio Grande do Sul igualmente enfrentou o tema. Nos termos de seu Comunicado 25/2014 [mirror], uma vez paga a dívida, o efeito natural das garantias acessórias será a sua extinção. Segundo o Colégio, “não existe garantia latente ou potencial. A garantia real é vinculada a uma dívida ou obrigação; extinta esta, extingue-se aquela. A extinção da garantia independe do ato formal de cancelamento do registro; é o pagamento da dívida que a extingue”.

Enfim, parece que essas operações de crédito, com as tintas da peculiar tendência que lamentavelmente se identifica nos inúmeros órgãos e instâncias administrativas governamentais que atuam regulamentando nichos da atividade econômica, acabam se chocando com os velhos e tradicionais institutos de direito, com graves prejuízos à segurança jurídica.

Cédula rural pignoratícia. Penhor rural. Prazo da garantia. Princípio da legalidade – qualificação.

Registro de Imóveis – cédula rural pignoratícia – prazo de garantia dissociado do prazo de vencimento da obrigação – impossibilidade – precedentes deste conselho – apelação desprovida. Ap. Civ. 0000344-60.2015.8.26.0614, Tambaú, j. 9/11/2015, rel. XAVIER DE AQUINO. 

Sérgio Jacomino. Registrador Imobiliário.  

Alienação fiduciária e locação de imóveis

Alienação fiduciária de bem imóvel. Repercussões da constituição da propriedade fiduciária na locação do imóvel perante o Registro de Imóveis.
Mauro Antônio Rocha [1]

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Do contrato de alienação fiduciária decorre a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel da coisa imóvel (art.22, da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997) e a consequência primeira e fundamental resultante da constituição da propriedade fiduciária é o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel (art. 23, § único).

Dessa forma, com o registro da alienação fiduciária no competente Ofício de Registro, a propriedade é transferida ao fiduciário, com o escopo de garantia, juntamente com a posse indireta do imóvel, permanecendo o fiduciante, na posse direta, assegurada, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária (art. 24, V).  Continuar lendo

Usucapião administrativa – o parecer

Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Novo Código de Processo Civil – Usucapião Extrajudicial – Proposta de atualização apresentada pelas entidades de classe – Acolhimento em parte nos termos da anexa minuta de Provimento. [NE: Provimento CG 58/2015]. PROCESSO: 24.480/2012, dec. 17/12/2015, DJe 15/01/2016, des. Xavier de Aquino. 

usucapiãoDICOGE 5.1 – PROCESSO Nº 2012/24480 – SÃO PAULO – CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – DJe de 15/1/2015, p. 30 (só o Provimento).

Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Novo Código de Processo Civil – Usucapião Extrajudicial – Proposta de atualização apresentada pelas entidades de classe – Acolhimento em parte nos termos da anexa minuta de Provimento.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Em continuidade às adaptações das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, passa-se, agora, ao exame da usucapião extrajudicial, introduzida pelo art. 1.071, do NCPC, que acresceu o art. 216-A, à Lei nº 6.015/73.

O CNB apresentou sugestões e a ARISP, embora intimada a tanto, não se manifestou.

É o relatório.

Opinamos. Continuar lendo

Registro Público de Imóveis eletrônico – riscos e desafios

Registro Público de Imóveis eletrônico – riscos e desafios. Fernando P. Méndez González, Ricardo Dip e Sérgio Jacomino (São Paulo: Quinta editorial, 2012, 167p.).

Nesta obra os autores analisam aspectos do Mortgage Electronic Registration System (MERS), muito utilizado pelas entidades financeiras americanas, que consiste em um sistema que visa a simplificar as exigências de documentação e de registro das cessões de crédito hipotecário. 

O tema está no ordem do dia. Os interessados poderão acessar a íntegra do livro aqui:

RTD – o desmonte do registro público brasileiro

Bigdata_privacyTratei do episódio do desmonte do RTD brasileiro – que qualifiquei de crônica de uma morte anunciada, parafraseando o autor latino-americano – no post publicado em outubro do ano passado.

Esse é um tema recorrente aqui neste blogue. O leitor poderá encontrar uma defesa leal e sincera do RTD feita por um registrador que não tem essa importante atribuição. 

Hoje trago à apreciação dos leitores o que considero uma perfeita síntese desse processo de desmonte progressivo e efetivo do registro público brasileiro, tal e qual o conhecemos há mais de uma centúria.

Trata-se da decisão proferida no Processo CG 156.742/2015, decisão de de 25/11/2015 (DJe de 7/12/2015), do des. Xavier de Aquino que redundou no Provimento CG 52/2015, de 4/12/2015.

Nesta decisão vamos encontrar uma minuciosa cronologia das etapas que acabaram por consumar a substituição dos antigos sistemas registrais por novos e modernos, geridos e administrados por atores privados de capital multinacional, e por isso mesmo muito poderosos, que ocuparam, por ineficiência e falta de visão da própria categoria, os espaços que historicamente estiveram reservados às instituições registrais.

A crítica deve ser assimilada pelos registradores. Este triste exemplo deve ser objeto de uma detida reflexão por todas as especialidades que, em maior ou menor grau, sofrem o mesmo assédio e podem estar sujeitos aos mesmos azares.

Vivemos uma nova era – a era da informação. Os grandes bancos de dados acabarão por se impor, assimilando os registros ordinários de valor econômico e jurídico da sociedade. As transações econômicas serão estruturadas e “datificadas”, para usar um neologismo que surge no âmbito das tecnologias de big data.

Com as bênçãos do Judiciário (em primeiro lugar – antes mesmo que as reformas legislativas ganhassem corpo) e do executivo e legislativo, hoje temos um registro concorrente, constituído a latere dos sistemas tradicionais, denominado SNG – Sistema Nacional de Gravames, que realiza todas as operações de registro de alienações fiduciárias de veículos automotores. Trata-se do “maior banco de dados privado de informações sobre financiamentos de veículos do país”, segundo a mesma instituição privada.

Para que se tenha uma ideia do que este registro extravagante representa, no ano de 2015 o SNG registrou 1.474.995 financiamentos de veículos (vide aqui).

Não é pouco e isto não representa uma fração do que esses enormes bancos de dados armazenam.

SERASAJUD – a novilíngua da segurança jurídica privada

CybersecurityEis uma síntese que expressa cristalinamente a nova realidade de um original contubérnio entre empresas privadas multinacionais de informação e o Judiciário brasileiro a lidar com os dados dos cidadãos: SerasaJUD.

A gestão desses dados é transparente? Há qualquer tipo de controle e fiscalização permanentes pelo próprio Judiciário?

Nem pensar! Qualquer tipo de providência somente na via reparativa.

Notem que essa realidade se concretiza dia após dia na série de projetos que se renovam no legislativo e no executivo, retirando atribuições dos notários e de registradores para composição de novos, poderosos e extraordinários bancos de dados.

Estamos no domínio do admirável mundo novo do big data. Ou, se preferir, da radical datificação. 

Pensemos bem. O que este projeto significa para a sociedade? Que o/a Serasa(JUD) se tornou um braço executivo do próprio Judiciário? À margem da lei? Estamos diante de um poderoso instrumento concebido para constranger e deprimir a iniciativa do cidadão, ampliando a eficácia inter parte de uma execução judicial? Numa palavra: a multinacional se tornou um braço do Estado?

Estamos alimentando um index econômico e proscrevendo cidadãos, marginalizando-os.

É isso mesmo ou não estou entendendo nada?

Veja a nota aqui.

Cultura de massas

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Meu Tio Jacaré falou sobre muitas coisas ontem. Somente hoje, pela manhã, dei-me conta de que a descida da Job Lane em direção à Vereador José Diniz havia rendido muitas ideias. Uma delas, aliás coincidente com minhas leituras, dizia respeito à cultura de massas.

Tio “Jaca” sustenta que um pequeno grupo controla os principais meios de comunicação de massas, “influenciando os pensamentos, sentimentos e ações de quase toda a gente”. Disse que a citação é quase literal de Aldous Huxley em “Regresso ao admirável mundo novo” (São Paulo: Hemus, p. 41).

Disse que há um uso consciente e deliberado de símbolos poderosos que realizam o ambiente simbólico, emprestando sentidos, conformando o cenário numinoso no qual os seres humanos, já idiotizados e seduzidos, interagem numa febril compulsão sexual e em busca do inefável pela adição, em disputa por poder e grana.

“Como no Admirável Mundo Novo” diz ele, “dois modos de rendição humana: sexualismo desenfreado e drogas. Eis as expressões manifestas de anjos decaídos sobre os ombros humanos. A felicidade é uma gema doada por um mineiro cúpido e obscuro”.

Ai, ai, ai. Tio Jaca, que conversa estranha!