
Todos sabem que tenho mantido uma atitude tolerante e complacente em relação às iniciativas do IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, ARISP – Associação de Registradores Imobiliários de São Paulo e IRTDPJ – Instituto de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas, no sentido de sua franca adesão e integração no SINTER – Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Decreto 8.764/2016).
Disse alhures que é sempre possível fazer uma boa limonada a partir dos limões que nos caem à testa. É preciso criatividade e cultivar uma visão estratégica correndo-se, por outro lado, uma boa dose de riscos.
Hoje fomos surpreendidos pelo advento do Decreto 8.789, de 29 de junho de 2016.
Para aonde caminhamos? Resistimos – a que será que se destina?
Já manifestei nestas páginas que, em linha de princípio, sou contra o claro processo de “administrativização” dos registros públicos que o SINTER representa – a perigosa tendência percebida pela acurácia de Benito Arruñada ao referir-se ao encanto ilusório da integração dos registros públicos em cadastros estatais.
A minha percepção é que este decreto eleva um grau na escalada administrativista. Conjuguem-se os decretos 8.764/2016, 8.777/2016 e o novo 8.789/2016 e já bastarão para que se obtenha uma antevisão da poderosa infra-estrutura regulamentar que se constrói para recolha de dados de caráter pessoal e patrimonial. Além disso, e principalmente, divisa-se, nesta rede, a reconversão dos dados registrais em dados meramente cadastrais.
Alçados à condição de “dados cadastrais” – sujeitos, portanto, à livre circulação entre os órgãos e entidades da administração pública federal – acham-se os elementos de matriz registral relativos às pessoas jurídicas (inc. II, § 1º, do art. 3º ) e aos da pessoa natural (inc. III).
Em relação especificamente ao Registro de Imóveis, é preciso sublinhar que os dados registrais, constantes de livros, documentos, papeis, títulos, mantidos em meios tradicionais ou eletrônicos (art. 16 c.c. art. 25 da Lei 6.015/1973), devem ficar sob a guarda, conservação, custódia e responsabilidade de registradores públicos (art. 24 da Lei 6.015/1973 e inc. I do art. 30 c.c. art. 46 da Lei 8.935/1994). O seu decaimento na categoria de “dados cadastrais” representa um risco de vulneração da privacidade e de desnaturação do próprio sistema registral de tutela pública de interesses privados. Os dados que originariamente ostentavam o caráter registral, mesmo quando compunham a DOI-RF, e que supúnhamos protegidos pelo manto do sigilo, agora se converteram em meros “dados cadastrais” (inc. I do § 2º do art. 3º) passíveis de utilização extrarregistral.
PS. Após a publicação desta nótula, veio a lume a Portaria do Ministério da Fazenda n. 457, de 8/12/2016. (DOU de 9/12, p. 102) que dispõe sobre a disponibilização de acesso, para terceiros, pelo Serviço Federal de Processamento de Dados, a dados e informações que hospeda, para fins de complementação de políticas públicas.
O fato digno de nota é que o SERPRO poderá ser “remunerado diretamente pelos terceiros, usuários da solução de disponibilização de dados e/ou informações, de modo a ressarcir os valores necessários à sustentabilidade dos sistemas informatizados envolvidos” (art. 3º).
Que “dados e/ou informações” serão estes? O leitor deve consultar o quadro regulamentar aqui referido e tirar as suas próprias conclusões.
Oportunamente relembro um fenômeno recente… o INFOSEG é um sistema criado primeiramente para fins de segurança pública em âmbito federal, com acesso restrito. Entretanto, é muito fácil a obtenção de dados diretamente pelos servidores de vários entes e órgãos da administração pública, o que gerou uma prática desvirtuada para localização de pessoas a logro de êxito em citação judicial. Não há como se esperar algo diverso do tal SINTER… com o agravante de que provavelmente recepcionará dados sigilosos diretamente afetados à dignidade da pessoa.
[…] Neste artigo, exploro o que denominei de esfinge neorregistral. A minha conjugação de diversos atos regulamentares, eleva um grau na escalada administrativista. Conjuguem-se os decretos 8.764/2016, 8.777/2016 e o novo 8.789/2016 e já bastarão para que se obtenha uma antevisão da poderosa infra-estrutura regulamentar que se constrói para recolha de dados de caráter pessoal e patrimonial. Leia aqui: – Meus dados registrais – meu cadastro estatal. […]
[…] – Meus dados registrais – meu cadastro estatal. Neste artigo, exploro o que denominei de esfinge neorregistral. A conjugação de diversos atos regulamentares eleva um grau na escalada administrativista. Conjuguem-se os decretos 8.764/2016, 8.777/2016 e o novo 8.789/2016 e já bastarão para que se obtenha uma antevisão da poderosa infra-estrutura regulamentar que se constrói para recolha de dados de caráter pessoal e patrimonial. […]
[…] Como se sabe o Projeto SINTER foi criado pelo Decreto 8.764/2016, visando regulamentar o art. 41 da Lei 11.977/2009. Mas o referido decreto não pode ser visto e compreendido isoladamente, eis que integra um sistema complexo composto pelo citado decreto, além de outros dois – os decretos 8.777/2016 e 8.789/2016 –, conjunto que pode dar azo ao fenômeno de fragilização do sistema registral com a venda de dados pessoais. Recentemente, o Ministério Público do Distrito Federal publicou uma nota aludindo à comercialização de dados dos cidadãos brasileiros. Segundo o promotor de justiça Frederico Meinberg essa prática seria “um negócio milionário no qual os dados armazenados e geridos pela própria administração pública são vendidos para a mesma administração pública” (acesso aqui). Temo que os dados recolhidos pelo SINTER poderiam ter o mesmo destino… Já escrevi sobre esse microssistema que pode vir a fragilizar o sistema registral brasileiro (Meus dados registrais – meu cadastro estatal). […]
[…] SJ – Como se sabe o Projeto SINTER foi criado pelo Decreto 8.764/2016, visando regulamentar o art. 41 da Lei 11.977/2009. Mas o referido decreto não pode ser visto e compreendido isoladamente, eis que integra um sistema complexo composto pelo citado decreto, além de outros dois – os decretos 8.777/2016 e 8.789/2016 –, conjunto que pode dar azo ao fenômeno de fragilização do sistema registral com a venda de dados pessoais. Recentemente, o Ministério Público do Distrito Federal publicou uma nota aludindo à comercialização de dados dos cidadãos brasileiros. Segundo o promotor de justiça Frederico Meinberg essa prática seria “um negócio milionário no qual os dados armazenados e geridos pela própria administração pública são vendidos para a mesma administração pública” (acesso aqui). Temo que os dados recolhidos pelo SINTER poderiam ter o mesmo destino… Já escrevi sobre esse microssistema que pode vir a fragilizar o sistema registral brasileiro (Meus dados registrais – meu cadastro estatal). […]