Sendas para o futuro do Registro de Imóveis

Tenho postado alguns pequenos textos no projeto Sendas para o Futuro, reuniões capitaneadas pelo Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, buscando estimular, provocativamente, o debate entre os oficiais tendo por objeto a disrupção tecnológica provocada pelos novos meios eletrônicos.

Às vezes tenho a impressão de que vivemos numa espécie de limbo formalista que atua como uma espécie de lâmina que opacifica a realidade. Em algum momento aludi à inconstitucionalidade dos meteoros, uma blague sobre essa espécie de profissão de fé que, feita premissa, anima alguns registradores quando estes se deparam com ameaças iminentes.

Miotonia

É nessas situações que ocorre a suspensão do espírito critico e muitos verberam defensivamente, como mantra, um discurso ancorado exclusivamente em tópos como “segurança jurídica”, “fé pública”, “qualificação registral”, “art. 236”, etc. São lugares comuns do discurso jurídico. Outros firmam cartas toponímicas em que se convencem a si próprios ao redigir. Afinal assistem, de modo passivo e impotente, à banda passar ao largo de sua janela. Carolinas cegas pelas vaidades… O Dr. Ermitânio Prado dirá que esse fenômeno é conhecido como miotonia registral, espécie de travação diante do que se lhes prefigura uma ameaça letal.

É evidente que reputo essa tópica importante – devo registrar antes que me apedrejem. São conquistas históricas – como a constitucionalização da atividade, por exemplo, ou a consagração, em lei, da independência jurídica do registrador. Está lá, na Lei 8.935/1994, que o registrador é um “profissional do direito” (art.  3º). Tudo isso é importante, mas insuficiente. É preciso ir além dos princípios. Estamos há mais de três décadas sovando a mesma massa…

Vamos lá com as sendas. Como dito no pequeno texto que veiculo aqui, temos desafios que não aturam respostas fáceis. E serão vários os caminhos que poderão ser percorridos para superar a vaga ameaçadora representada pela desinstitucionalização da atividade registral pela adoção de novos e eficientes sistemas informáticos. Por essa razão sendas, veredas, pequenos caminhos. 

Espero que os textos provoquem a reflexão do caro leitor.

Matrix

Matrix e a verdade, nada mais do que a verdade.

“Se tomar a pílula azul a história acaba e você acordará na sua cama acreditando no que quiser acreditar. Se tomar a pílula vermelha ficará no País das Maravilhas e eu te mostrarei até onde vai a toca do coelho” (Morpheus).

V. pode crer que todo o sistema registral é o espelho perfeito de sua serventia. Ou acreditar que o Registro de Imóveis brasileiro é um dos melhores do mundo. Pode convencer-se de que somos modernos e atendemos perfeitamente às necessidades do mercado, da sociedade e do estado. O problema, para você, será sempre o outro. Afinal, nunca somos bem compreendidos por eles. Tudo não passará de colapso da linguagem. Na fissura, o outro são os nós de uma imensa rede de tendências e significados contraditórios.

Mas v. pode abrir os olhos. Ver que corremos grandes riscos em meio a uma transformação acelerada que se acha em curso na sociedade contemporânea. Visto com atenção, nada é o que parece ser e tudo, afinal, é apenas uma doce ilusão produzida por sua mente.

Aqui estamos, diante do Rubicão. Eu os convido para uma angustiosa decisão: você pode continuar apegado a seus princípios, com “aquela velha opinião formada sobre tudo” ou conhecer a realidade que se aninha além dos mitologemas do sistema de segurança jurídica.

Esta é uma experiência sem volta e de resultados incertos. Mas garanto-lhes: o risco vale a pena!

SREI-ONR: o que é central e o que é periférico nesta questão?

Nós superamos a etapa da atomização registral, formando um arco que denominei, há mais de uma década, de “molecularização registral” [1]. Assim nasceram as centrais estaduais de serviços eletrônicos compartilhados.

Porém, como espécie de recidiva, a atomização registral ressurge agora como metástase do fenômeno vencido na etapa anterior. As Centrais Estaduais se arrogam o estatuto de verdadeiro Registro Eletrônico, esquecendo-se de que o projeto original previa uma Central Nacional de Registro de Imóveis [2].

Neoplasia registral

Neoplasia2

Um organismo é sempre maior do que a soma de seus órgãos. A neoplasia registral é uma espécie de deformação que promove o crescimento, sem controle, das centrais estaduais, tornando cada órgão mais importante do que o próprio organismo, comprometendo-o progressivamente. Ao final, aniquila-o.

Nós e a Rede. A Rede somos Nós?

Há os que estão dentro. Há os que estão fora. Há os que aderem com convicção; há os que se calam. Somos todos a favor do ONR, “claro, sem dúvida alguma”, mas vimos que há também os que “não são de sua própria opinião”. Nessa pusilanimidade interessada late uma forte tentação: manter-se em equilíbrio com os pés fincados em duas canoas.

Há um só Registro de Imóveis no país: NÓS! Somos muitos, representamos uma parte – órgãos – desse imenso organismo que a lei batizou como SREI-ONR. Não há volta nesse processo. Há alguma reviravolta.

O IRIB é o Centro de todas as periferias

Centro

Convido-os à leitura de uma série de documentos produzidos no transcurso dos meses de abril a novembro de 2016, período em que se discutiu a criação de uma “fonte emissora de normas técnicas de interação” das centrais estaduais a cargo do IRIB, “entidade de classe de âmbito nacional dos Registradores de Imóveis”, como se grafou na primeira reunião.

Nesse período criou-se a Coordenação Nacional das Centrais de Serviços Eletrônicos compartilhados e se lhe deu os fundamentos. Firmou-se um termo de compromisso com o reconhecimento, unânime, por todas as centrais, de que o organismo seria presidido pelo IRIB, “a Casa do Registrador Imobiliário”.

Logo após a surpreendente eleição do Instituto (dezembro daquele ano), houve uma dispersão. Agora, os signatários alardeiam, sem qualquer compromisso com a lógica, que “não são de sua própria opinião”. É a velha política em ação.

Voltando aos documentos, lendo-os com muita atenção, constatamos que há um sujeito oculto. Trata-se do ONR – Operador Nacional do SREI, elemento discreto e estruturante da tal Coordenação. Embora todos pressentissem a sua presença naquela mesa branca de reuniões, ninguém soube comunicar-lhe, dar-lhe nome e identidade; ninguém pode compor o arco político que deu ânimo e existência legal ao ONR. Era preciso criar pontes. Essa obra de engenharia política e jurídica se deve a Flauzilino Araújo e outros tantos santos.

É didático o estudo desse conjunto de documentos. Veremos que o ONR sobrepairava as discussões, assombrava, como pesadelo, as sucessivas gestões do próprio IRIB. Tratava-se de herança com a qual elas jamais souberam lidar.

SINTER – O que não é pode arrogar-se o direito a ser tudo?

Afinal, o que é o SINTER? Será um Registro Eletrônico? Não. O Decreto 8.764/2016 visou simplesmente regulamentar o disposto no art. 41 da Lei nº 11.977/2009, que trata do acesso e intercâmbio de dados entre a RFB e o Sistema Registral.

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A disponibilização do “acesso às informações constantes de seus [dos cartórios] bancos de dados” não é o mesmo que povoar a central da própria RFB com dados veiculados em “documentos nato digitais estruturados que identifiquem a situação jurídica do imóvel, do título ou do documento registrado, na forma estabelecida pelo Manual Operacional”. (art. 5º do dito decreto).

Será um cadastro técnico multifinalitário urbano? Não. A Receita Federal não deve ter por missão coordenar a gestão territorial de cada município, atribuição conferida pela Constituição Federal aos municípios (inc. VIII do art. 30 da CFB).

Será um cadastro rural? Não. A Lei 5.868/1972 não pode ser revogada por simples decreto

O SINTER é “nonada” – como diria Riobaldo no Grande Sertão Veredas – e por isso tem ganas de totalidade e completude. Como o poeta, poderia dizer: “não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”.

O que os registradores farão a respeito do SINTER?

Sinter

O Manual Operacional do SINTER foi aprovado (com o voto divergente do IRIB) e posto em vigor pela Portaria 1.091, de 20/7/2018, depois de ver a proposta de regulamentação ser obstada pelo Sr. Corregedor-Nacional, que a retirou de pauta em virtude de questão de ordem suscitada por nós.

O que os registradores brasileiros pretendem fazer a respeito? Cumprirão o prazo de 12 meses para constituição do Registro Eletrônico SINTER-Centrais Estaduais?

Esquizorregistro

Estamos diante da criação, na prática, de um Registro Eletrônico redundante, esquizofrênico, fincado nas entranhas da administração pública federal e das centrais estaduais. Será uma nova onda de subversão do modelo distribuído e compartilhado (molecularização) do Registro de Imóveis brasileiro. Seremos abalados pela centralização de dados no coração da Administração Pública?

Notas

[1] – V. Boletim Eletrônico do IRIB n. 2.392, de 17/4/2006. Acesso: http://irib.org.br/boletins/detalhes/1428.

[2] – Consultar: SREI – Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário. Parte 1 – Introdução ao Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário, p. 14 e ss. Aqui: https://goo.gl/6GqLTS .

[3 ] – Há uma passagem memorável no seminário promovido pela UNICAMP. Ouçam atentamente a manifestação do engenheiro do INCRA: https://youtu.be/A8y4BjLgecs?t=1h53m21s.

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