Digitalização da matrícula – hiper-saturação textual

TypoOutro dia conversava com um amigo, um colega registrador, que me relatava, bastante excitado, que no seu estado o projeto da “matrícula digital” se completaria em 2020.

Fiquei a matutar o que exatamente ele queria expressar com a tal “matrícula digital”. Logo me aclarou: “vamos digitalizar todas as matrículas do Estado e disponibilizá-las na internet”.

Silenciei. A digitalização das matrículas e seu depósito numa central estadual é concebida como avanço?

Pode ser. Há variados graus de modernização nesse imenso mosaico que é o Registro de Imóveis brasileiro. Há ilhas de excelência, mas há unidades que não dispõem nem mesmo de energia elétrica durante grande parte do dia.

Assim vivemos, com um pé no século XXI e outro na idade média.

Digitalização da matrícula – hiper-saturação textual

Não pude deixar de me lembrar de uma exposição feita no longínquo ano de 1997, na cidade de Belo Horizonte, no transcurso do XXIV Encontro do IRIB. Os alicerces de nossa atual discussão sobre modernização do sistema registral brasileiro em grande parte estão registrados ali, há mais de 21 anos. V. pode acessar a palestra aqui: https://youtu.be/AyH4ABB3ezI

Na ocasião, apontei para o fenômeno da hiper-saturação textual da matrícula. Observe: numa matrícula usual (estimemos uma de 5 folhas) o que é variável e o que é constante? Nos rios de textos, o que ainda é válido e eficaz? Ou por outra: o que é estático? O que é dinâmico?

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VARIÁVEL                                                              CONSTANTE

Sabemos que o discurso narrativo não se adéqua confortavelmente aos meios eletrônicos. Em outras palavras: temos na matrícula uma carga imensa de informação irrelevante, imprestável para configurar a situação jurídica atualizada do imóvel. E o que é pior: exportamos para o consulente a tarefa de decifrar o cipoal textual e jurídico da matrícula digitalizada.

O SREI tarda por nossa culpa, nossa máxima culpa!

O SREI foi engendrado ao longo de muitos anos. Desde 1996 dedicamo-nos ao assunto. O Projeto CNJ/LSITec, que culminou na modelagem legal do SREI-ONR, nasceu lá atrás. Apontei no Boletim Eletrônico do IRIB n. 1.549/2005 os projetos que iriam se consolidar nos anos vindouros. Mas o percurso não se cumpriu inteiramente. Estamos à margem do caminho.

O Dr. Antônio Carlos Alves Braga Jr. na excelente comunicação que nos fez no último dia 25/6, lembrou-nos que os Serviços Notariais e de Registro eram considerados a vanguarda tecnológica da galáxia judiciária, meca de eficiência e racionalidade na prestação dos serviços públicos, deixando os tribunais na retaguarda.

Para se ter uma ideia, a microfilmagem, uma tecnologia considerada muito avançada na época, antes mesmo da Lei 5.433/1968 já era utilizada nos cartórios paulistas. Para quem tiver curiosidade, consulte o artigo de autoria de José Augusto Medeiros no Boletim da ASJESP n. 64, de 1/1/1959.

Como pudemos sair da dianteira e agora, como que desnorteados, buscamos a senda virtuosa para o século XXI? O que nos parece uma solução racional e inteligente é simplesmente a vanguarda do atraso.

4 comentários sobre “Digitalização da matrícula – hiper-saturação textual

  1. É deveras gratificante ler os textos. Imagino, sem qualquer mensuração de tamanho, como seria participar e ouvir, num encontro, de atualizações tão reais. Abraços.
    Meire Jacomel.

  2. Infelizmente, devido a própria organização dos serviços notariais e registrais, de forma descentralizada e com os notários e registradores tendo “autonomia” na sua administração, jamais teremos um ambiente homogêneo em termos tecnológicos que atenda, de forma satisfatória, às necessidades da sociedade moderna. Sem falar das interferências dos TJs de cada estado que entendem um mesmo tema de forma totalmente diferenciada de um estado para outro.

    Imaginem um banco de primeira linha sendo administrado com autonomia por cada gerente em cada agencia e ainda sofrendo interferência de um órgão correcional, não técnico, com forte influencia politica e jurídica. Quanto tempo levaria para o sistema de informática de uma agência se comunicar com outra agencia. E quando essa comunicação fosse a primeira, entre cidade onde nunca se comunicaram, acreditam mesmo que não se teriam infinitos problemas de incompatibilidade de sistemas?!

    Mesmo os bancos de hoje, com todo o investimento em tecnologia e padronização de procedimentos, estão tendo sua atividade ameaçada por tecnologias novas como fintechs e blockchain, imagina o ambiente dos notários e registradores.

    Hoje, o que nos sustenta, são leis e não nossa competência na prestação do serviço. A verdade é essa.

    Estamos como o esposo, que vendo a esposa não querendo ter relações sexuais, em vez de conversar sobre suas possíveis falhas, vai pegar a Certidão de Casamento (Leis) e discursar sobre as obrigações matrimoniais da esposa (Fé pública, Delegação etc).

    Ou os notários e registradores se reúnem e desenvolvem urgentemente um sistema de informação baseado no modelo de dados do CNJ/LSITec, ou, por “uma canetada” lá de Brasília, esses serviços passarão para a iniciativa privada por meio de concessão do Poder Executivo, assim como ocorreu com o registro da alienação fiduciária nos financiamentos de carros que antes eram registrados no Registro de Títulos e Documentos e Civis das Pessoas Jurídicas.

    O norte do sistema de informação já foi estabelecido, CNJ/LSITec, e acredito que já tem empresas privadas desenvolvendo esse sistema; não para os notários e registradores e sim para a administração central federal para que se implante esse sistema em todo o território nacional sem necessitar dos notários e registradores.

    Afinal, depois que se abriu a caixa de pandora da arrecadação dos serviços extrajudiciais (Justiça Aberta – CNJ), o que o judiciário quer é ficar com toda a arrecadação pra si.

    Apenas minha visão do futuro, nada pessoal com a categoria.

    Saudações

  3. Criaram-se fundos que vertem para o aparelhamento do Judiciário, esse mesmo que não encaminha um PL para atualização das tabelas de emolumentos com serviços hoje não remunerados e outros com defasagem, esmagando a capacidade de evolução tecnológica dos médios e pequenos cartórios. Ainda, nesse fôlego, a repressão por meio de atos normativos que engessam a capacidade de registradores desafogarem o próprio Judiciário e outras atividades do Executivo por órgãos administrativos. Acabou o fôlego. A gente cansa, mas sempre seguimos!

    CRISTINA MINATTO

  4. A meu ver, a oportunidade pode ser única, com o novo governo, de negociar, sim, um grande benefício para a população: a extirpação de todos os penduricalhos agregados aos emolumentos. Isto resultaria na entrega do serviço aos utentes pelo preço pelo qual ele é pago, sem qualquer intromissão “inflacionário-tributária embutida”. Para a uniformização dos procedimentos e equivalência das forças. Cada Oficial vai perder a autonomia de seu cartório, sozinho. O que vale lembrar, pode ocorrer (e já está ocorrendo), mesmo uniformizadas as forças, a depender de quem seja eleito o próximo presidente da república…

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