Meu Deus! Que maldade o sistema legal pode ter feito com essa Senhora que chora profundo no Balcão, chega de notas devolutivas e exigências legais, queremos direito de propriedade, propriedade humana, afinal, este Oficial é de Registros, segurança, justiça, duas faces da mesma moeda, moeda esquizofrênica, entra em tensão consigo mesma, não é possível, como poderemos ajudá-la, será que perdeu algum ente querido, será que a exigência é intransponível, absurda, acho que vou até o balcão, acho melhor não, sistemas, sistemas, sistemas, sistemáticos, liberta-nos ou escraviza-nos.
Depois a escrevente esclareceu ao Oficial que a Senhora não retirou uma Nota Devolutiva, retirou sua escritura registrada e chorava por pura emoção, simples que era, chorava e se desculpava por não conter a alegria de ver seu nome bem grafado na matrícula e a confirmação da atendente: era, pela primeira vez na vida, proprietária da casa!
Eu sou meigo, Doutor!
Sérgio Jacomino
O Diário Oficial chegava um dia após pelo correio. A decretação da intervenção deveria ser comunicada vis-à-vis. Todo o cuidado era pouco. Mas tudo havia transcorrido com relativa calma. A fama de violento e altercador do oficial não se confirmou. Recebida a portaria, o velho registrador retirou-se respeitosamente das dependências do cartório, colocando-se à disposição do colega que o substituía.
Nos dias que se seguiram, a imprensa local alardeava, até pelos auto-falantes da praça, o fato verdadeiramente novidoso. Decorridos dois ou três dias, o cartório viveu uma experiência singular: muitas pessoas traziam seus títulos para confirmar o registro e o domínio, ocasionando um colapso nas atividades corriqueiras. “Doutor, eu nunca vi tanta gente nesse balcão”, confessava o escrevente admirado. O interventor, azafamado pelas múltiplas atividades, mal dava conta de atender aquelas humildes pessoas que não se contentavam em ser atendidas pelos funcionários, velhos conhecidos na cidade. Queiram o “Dr. interventor”. Mas o melhor estava por vir: primeiro os escreventes, e por fim o próprio interventor, todos começaram a sofrer ameaças telefônicas. Era um vale-tudo, ligavam para o cartório, para a casa dos escreventes (segundo relatavam), para o hotel onde estava hospedado o interventor, ameçando de morte. Tamanha era a apreensão, que todos se acautelaram. O interventor passou a andar armado.
Na manhã seguinte, um calor tórrido causava uma sensação de sufoco insuportável. De repende, adentra as dependências do cartório um sujeito mal encarado. Chapéu enterrado na cabeça, capote, botas terrosas e um olhar assustador. Para um citadino como o interventor, era o perfil acabado de um jagunço. Quedou-se ali, num canto mal iluminado, inerte, observando. Todos ficaram inquietos. O interventor espiava o 38 prateado ao alcance da mão. Tensão. Decorridos alguns minutos, o desconhecido avança decidido sobre o balcão e mete as mãos no capote. Inesperadamente saca uma escritura puída, amarelada pelo tempo e diz: “discurpa, doutor, mas eu sou meigo no assunto…”. O interventor demorou alguns segundos para entender completamente a cena e ainda balbuciou – “hein??”. O pobre emendou instantaneamente: “sou meigo no assunto, doutor”. Suspiro geral, e o oficial ainda comentou: “meigos e ignorantes somos todos nós, meu senhor”.
Uma história Amargosa que termina em Milagres…
O escrevente atendeu Dona Terezinha no balcão de registro civil. Uma senhora humilde, sexagenária, pele marcada pelo sol, nas mãos trêmulas uma cópia rota da cédula de identidade e uma certidão negativa de registro de nascimento.
– Seu moço, eu nasci em Amargosa, na Bahia, perdi minha certidão de nascimento e a carteira de identidade, o cartório da minha terra diz que não tem meu rezisto não… o senhor não pode fazer um novo rezisto pra eu tirá a identidade nova?
Registro, como sói, registo, como preferem os portugueses, ou até mesmo rezisto, não importa a forma, a ansiedade daquela senhora diante dele era o que ocupava sua mente.
O escrevente confere a certidão de Amargosa, negativa mesmo. Examina a cópia da identidade… pega um mapa do Estado da Bahia, anota os nomes das cidades vizinhas: Brejões, Castro Alves, Elísio Medrado, Milagres, São Miguel das Matas … Envia ofícios para todos os registros civis ali existentes, quinze ou vinte, e despede Dona Terezinha para sua casa, recomendando mais um pouco de paciência.
Duas semanas após começam a chegar as respostas… Castro Alves, negativa… São Miguel das Matas, negativa… Brejões, negativa… Milagres, positiva, positiva sim, era ali que constava o seu registro, nascida em Amargosa, isso mesmo, mas registrada na cidade ao lado, veja só, em Milagres…
O escrevente corre ao telefone para chamar Dona Terezinha… não demore… é importante…
Eis que ela surge, mais ansiosa ainda, e recebe a certidão de Milagres. Ela olha, confere seu nome, a certidão presa firmemente entre suas mãos trêmulas, as lágrimas correm-lhe a face e respingam na certidão…
– Obrigado seu moço…
É meus caros.
Entre “meigos no assunto” e “rezisto” de nascimento conheço, de ter ouvido, uma história que juram de pé junto ocorreu no balcão do 11. Registro de Imóveis.
Oriunda de um parcelamento irregular, surge no balcão, trazida por uma Senhora quase Sexagenária, uma velha escritura de venda e compra de parte certa e determinada de um lote que integra plano de loteamento regitrado no cartório e, como sempre, é recepcionada e protocolada para exame.
Decorridos alguns dias, retorna a interessada e procede à retirada de sua escritura. Senta no velho sofá que tínhamos na Serventia e começa a vasculhar sua escritura procurando pela certidão do registro, mas a certidão não está lá. A única coisa diferente é o cheque de devolução do dinheiro pago, acompanhado da “mal falada” nota devolutiva, acompanhada das detestadas “exigências legais”.
Chega ela ao balcão e diz ao atendente “Dotô, sou pessoa de pouca leitura e não intindi o que que tá iscrito neste papelzinho amarelo”….”Mnha escritura não foi registrada?”
O escrevente, certo de que não será compreendido, mas disposto a ajudar aquela Sra. lê a nota e passa a tentar explicar: “Minha senhora, esta é uma venda de parte certa e determinada do lote, mas é possível regitrá-la desde que a Sra. nos traga um planta do imóvel para arquivamente no Cartório.”
A interessada, achamos que com vergonha de perguntar novamente, pede desculpas por ter incomodado o “dotô” e vai embora.
Alguns dias depois, volta esta Senhora ao cartório acompanhada de um dos seus filhos.
Chega ela ao balcão de recepção e apresentar a escritura ao atendente que ao folher a escritura nota que a exigência não foi cumprida e interpela a Sra. quanto ao documento exigido pela nota e pergunta: “Sra. a nota devolutiva pediu a apresentação de uma planta do imóvel, a Sra. a trouxe???”
Aquela sexagenária Sra. pede licença ao atendente e chama o filho ao seu lado e pergunta: “Viu filho, você achou estranho, mas veja só o que o “Dotô” está pedindo”…”O “Dotô” pode explicar para ele novamente, discurpa”.
Feita nova leitura, o filho, também de pouca leitura, pede licença e diz que vai até o carro buscar o que foi pedido.
O atendente, vendo a fila crescer, pede que a Sra. aguarde ao lado e continua a atender o expediente.
De repente, para espanto de todos, volta o filho daquela Sra. trazendo algo que deixou todos os presentes sem saber o que lá acontecia.
Chega o filho ao atendente e coloca, com muito esforço, a planta no balcão do cartório e afirma ao atendente que a única planta que eles tinham no imóvel era aquela.
Num misto de espanto e incredulidade, o atendente sem saber o que fazer, interfona para o escrevente que devolveu a escritura e pede seu comparecimento, com a máxima urgência, ao balcão.
O escrevente vem o mais rápido possível e ao chegar ao atendente pergunta o motivo de tanta urgência e este, segurando o riso, aponta para um enorme vaso sobre o balcão, onde estava uma linda planta ornamental e pergunta se aquela planta atenderia a exigência por ele feita.
Sem acreditar no que acontecia, o escrevente chama a Sra. e pergunta o que era aquilo.
A Sra., na maior tranquilidade e certa de que havia cumprido o que lhe fora pedido, com a maior boa-fé, se volta ao escrevente e disse “Dotô esta é a única planta que temos no imóvel”… “Nós trouxemos para o Sr. ver, mas queremos levar ainda hoje, pode ser???
O escrevente, agora sabendo o que ocorrera, e certo de que perderia uns bons minutos até conseguir explicar o que era necessário, começa a fazê-lo e, após muito custo e com vários exemplos que foi buscar, consegue se fazer entender e dá o assunto por encerrado.
Logo amigos, tirando a planta do imóvel que realmente é algo muito inusitado, tomo por moral da história que devemos deixar o “juridiques” de lado, especialmente neste momento crítico da regularização fundiária, das concessões especiais de uso e outros inúmeros instrumentos de política urbana para a classe de baixa renda, é nos nortearmos por notas devolutivas claras e na construção de um atendimento direcionado a esta população, pois se não for assim, estou certo de que mais dia, menos dia, vão acabar trazendo coisa pior para o cartório…
Abs,
Eduardo Oliveira.