Há uns dias, registrava aqui mesmo minha perplexidade acerca da bancarização dos cartórios, divulgada pelos indefectíveis boletins eletrônicos como uma grande conquista da categoria dos notários e registradores.
À parte a minha estupefação – e de algum blogauta atento -, um movimento de questionamentos acerca dessas idéias luminosas de adesão à banca está em pleno andamento em instâncias próprias para avaliar e decidir a oportunidade e conveniência dessa capitulação heterodoxa.
Luiz Aldana postou um questionamento veemente aqui mesmo, neste blogue: “Posto bancário? Iminente traição ao Povo, ao Constituinte e aos antepassados registradores de imóveis. Tu quoque, Brute, fili mi? – teria pronunciado o imperador romano Julio César antes de tombar sob os golpes dos conjurados, dentre eles, Brutus – seu filho. Na Itália de hoje, a expressão indica a surpresa de uma pessoa diante do comportamento de outra, principalmente se esta se deixa seduzir por uma moda considerada inferior. (Renzo Tosi, in Dizionario Delle Senteze Latine e Greche – RCS : Milão, 1991, p. 129)”.
A matéria deve ser discutida criticamente, debatida fora dos estreitos círculos de interesse que movimentam as decisões corporativas.
Para se ter uma idéia dos vários problemas que eventualmente enfrentemos, vale refletir sobre a matéria públicada no Valor Econômico da data de hoje (26/12/2006) que traz importante notícia acerca dos correspondentes bancários. Transcrevo-a abaixo. Ela é auto-explicativa – mesmo para aqueles que insistem em não saber; ou teimam em não querer saber. Para falar a verdade, acho que estamos diante daqueles que simplesmente odeiam os que insistem em saber…
Os chamados correspondentes bancários – empresas terceirizadas que vendem crédito pessoal e produtos bancários e recebem pagamentos de contas, como lotéricas, agências dos Correios e supermercados – foram vistos como uma grande solução para os bancos reduzirem suas folhas de pagamento e aumentarem suas áreas de cobertura. Mas agora estão virando uma dor de cabeça para as instituições financeiras. Os processos dos funcionários dessas empresas na Justiça trabalhista começam a formar volume, com direito a ações individuais e ações civis públicas do Ministério Público do Trabalho (MPT) contra as empresas que atuam como correspondentes bancários e os bancos que as utilizam.
Em comum, as ações pedem equiparação salarial à carreira dos bancários, que têm carga horária de seis horas, adicional de segurança e vários outros benefícios garantidos por acordos coletivos da categoria, reconhecida como uma das mais fortes em termos sindicais. A maior parte dos processos ainda tramita em primeira instância, portanto longe de ter uma jurisprudência definida. No entanto, a Justiça trabalhista vem reconhecendo a equiparação salarial em boa parte dos casos, fazendo os departamentos jurídicos dos bancos tremerem com a enxurrada de ações que começa a tomar forma.
Quem paga a conta da diferença pode ser tanto os correspondentes bancários quanto os bancos que os contratam. E a fatura tem boas chances de ser alta: segundo dados do Banco Central, o número de correspondentes bancários no país até maio de 2006 era de 76.454. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) estima que este número encerre 2006 próximo dos 90 mil. O dado é significativo se for levado em conta que o número de agências bancárias de fato é menor do que um quinto disso: tem girado em torno de 17 mil nos últimos cinco anos, com 402.977 funcionários até 2005.
A atividade dos correspondentes bancários foi criada oficialmente em 1973 pela Circular nº 220 do Banco Central. As diversas alterações no sistema – como as feitas pela Resolução nº 2.707, de 2000, que ampliou o leque de serviços que poderiam ser prestados pelas empresas correspondentes, incluindo abertura de conta, aplicações, pedidos de empréstimo e análise de crédito – foram consolidadas na Resolução nº 3.110, de 2003. A Resolução nº 3.156, do mesmo ano, autorizou a contratação de correspondentes por qualquer instituição autorizada a funcionar pelo Bacen, incluídas aí as financeiras.
Foi essa ampliação que incentivou os bancos à atividade, e é justamente por isso que o número de ações tem crescido. Como os casos são novos, os precedentes utilizados pelos advogados de ambos os lados referem-se a outros tipos de terceirização utilizadas pelos bancos – de serviços de telemarketing e de processamento de dados, por exemplo. Nesses casos, as decisões raramente são favoráveis aos bancos. As empresas de processamento de dados constituídas pelas instituições financeiras já foram objeto da Súmula nº 239, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que considera seus empregados como bancários.
A advogada Mihoko Kimura, sócia do Tozzini, Freire Advogados, que atua para grandes bancos, defende que, no caso dos correspondentes, não há a finalidade exclusiva dessas empresas de prestar serviços para os bancos. Mas as terceirizações, de modo geral, são vistas como irregulares se utilizadas para a atividade-fim da empresa contratante, de acordo com a Súmula nº 331. Já a Súmula nº 55 do TST equipara as financeiras aos bancos para efeitos do artigo 224 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), justamente o que regula a atividade dos bancários. No TST há apenas decisões de turmas em casos individuais de administradoras de cartões, favoráveis ao vínculo com o banco quando há desvirtuamento da atividade, como na liberação de empréstimos e na venda de títulos de capitalização.
O desafio dos bancos é definir o que caracteriza um funcionário de banco e provar que a venda de crédito e o pagamento de contas não é atividade típica de bancários. O argumento é o de que o pagamento de contas e a captação de clientes para empréstimos e cartões de crédito são atividades apenas acessórias, como defende o advogado Rodrigo Takano, do escritório Machado, Meyer Advogados, que também assessora bancos.
Mesmo o local de trabalho não “transforma o trabalhador em bancário”, ou seja, não deve haver vínculo mesmo no caso dos funcionários das financeiras dos bancos que trabalham dentro de agências, na opinião de Célia Mara Peres Pastore, advogada do Mattos Filho Advogados. “Quem vende uma operação de crédito não movimenta valores, só apresenta os produtos, pode até analisar a ficha, mas quem autoriza é o banco. A atividade primordial da instituição é captar recursos e alocar em linhas de crédito”, diz Célia. A advogada representou o Santander e o ABN Amro Real, incluindo a herança do Sudameris, em 38 autos de infração de Delegacias Regionais de Trabalho (DRTs) de todo o país envolvendo mais de mil funcionários e em diversas ações do Ministério Público do Trabalho.
Outra diferença do trabalho dos funcionários de financeiras e dos correspondentes em relação aos bancários apontada pela advogada é que os primeiros não têm acesso a dados de conta dos clientes ou senha para acesso ao sistema do banco. Já o argumento dos advogados dos trabalhadores e dos juízes que aceitam a equiparação se baseia nos princípios da razoabilidade e da dignidade, entendendo que a CLT é inferior à Constituição Federal, que prevê estes princípios. Além disso, eles entendem que as resoluções do Banco Central só servem para regular atividades bancárias, e se as resoluções que autorizam os correspondentes estão sob a autoridade do Bacen, a equiparação é automática.
A polêmica da equiparação dos correspondentes não fica apenas na área trabalhista. Uma ação civil pública do Ministério Público do Trabalho de Rondônia resultou na exigência para que lotéricas obedeçam à mesma lei de exigência de segurança dos bancos, por movimentarem valores e desempenharem operações semelhantes.
Por cá…
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