Bertold Brecht e a bancarização dos cartórios

O Valor Econômico on line traz interessante artigo na sua edição de 6/10: Cartórios fazem acordo com o BB e atuarão como correspondentes bancários.

Segundo a fonte, 9 cartórios ligados à Anoreg fecharam acordo com o Banco do Brasil para atuar como correspondentes bancários.

Mas que raios isso significa? Quer dizer então que agora os cartórios vão atuar como agências bancárias? Os registradores como prepostos da banca? Os Registros e Notas terão um regime jurídico extravagante – perfilhando as atividades próprias, tradicionais, seculares, com as bancárias?

Essa mixórdia institucional vem abençoada pela Anoreg.

Provavelmente a decisão foi sacramentada nas famosas assembléias camerísticas, de ritos esotéricos, em que os partícipes distribuem sopapos, vociferam impropérios e ao final repartem ósculos de santa lealdade e juras de eterno amor.

Vislumbro uma olímpica desconsideração das instâncias regulatórias, que, para o bem ou para o mal, estão claramente definidas no cenário jurídico-institucional das atividades notariais e registrais brasileiras.

Deus meu, que tempos bicudos! Não tardará e estaremos vendendo bilhetes lotéricos, jogando búzios, fazendo mise-en-plis, aplicando chapinha, vendendo geladeiras ou transacionando o carnê do baú nos guichês dos cartórios brasileiros.

Mistifório corporativo, bruzundanga institucional. Vade retro!

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Nosso múlti-presidente acena com a possibilidade do negócio ser expandido para os 21 mil cartórios do país e não descarta a possibilidade de serem atraídos para o projeto outros bancos, bastando, para isso, “que todos falem a mesma linguagem”.

Novamente: que diabos isso quer significar? O que é “falar a mesma linguagem”? Ora, para falar a mesma linguagem é preciso um código. E esse código, quem nos brindará? Estaremos todos dependentes dessa instância bastarda que se arroga o privilégio de regular a nossa atividade? Quem delegou essa missão à nomenklatura que tomou de assalto (e não quer sair) o aparelho corporativo? Quando se reclama uma mesma linguagem, se busca impor um redutor simbólico dos discursos especiais que configuram os dialetos das tribos notarial e registral. A frase na boquirrota anoreguística quer significar somente isso: garroteamento das atividades notarial e registral por um sistema informatizado de transações eletrônicas. Controle corporativo. Captura das atividades públicas por interesses particulares.

Nosso múlti-presidente é um estrategista formidável. Admirável é sua visão de longo alcance. Depois de perder o filé mignon das escrituras públicas para as instituições financeiras do crédito imobiliário, os notários, agora sob a batuta segura e competente do nosso múlti-presidente, tomarão de assalto a banca. Onzenários, paenitemini et credite!

Com tamanha expertise em instituições e serviços financeiros, nosso múlti-presidente terá compreendido exatamente o que Bertold Brecht a seu tempo expressou: “o que é assaltar um banco, comparado com fundar um?”.

Um comentário sobre “Bertold Brecht e a bancarização dos cartórios

  1. Tu quoque?

    Os primeiros filósofos ou pensadores gregos são os Pré-socráticos, aqueles que vieram antes de Sócrates. Este que antecedeu Platão. Platão que foi o mestre de Aristóteles. Ainda influenciados pelo pensamento mítico, pretendiam dar uma explicação racional do mundo. Son hombres contemplativos, capaces de admirarse por lo que vem, debido sobre todo al cambio constante que se obra en el universo o natureza, segundo TOMÁS LOBATO VALDERREY, in Historia del Pensamiento – Dykinson : Salamanca, 2001, p. 19.
    Os caracteres da observação e da admiração são atributos de algumas pessoas de hoje. Serão aquelas com capacidade analítica-crítica. Estas são as que transformam as instituições no sentido da evolução, do crescimento, da sacramentalização, porque sabem que o Universo é harmônico e essa harmonia é oculta – metafísica – e princípio só identificável pela razão (Heráclito: e é a essas que o homem deve seguir). Por conseguinte, não as vejo propondo ruínas às suas próprias estruturas. Impossível vê-los desestruturando a instituição que ajudam a edificar.
    Alguns, entretanto, agem ao revés. Embora racionalmente não conseguem vislumbrar o que antecede às coisas e ao mundo físico. Estabelece-se a dialéctica.
    De um lado, uns firmes no propósito de não desnaturalizar a instituição do Registro de Imóveis; do outro, a intenção avassaladora e desmedida de alterar sua natureza, mudando seus fins, desvirtuando-as.
    O Povo e o Constituinte confirmaram a delegação ao particular do exercício de uma atividade pública. Estabeleceu-se um vínculo de confiança mútua. Este fato faz com que permanentemente ecoe em nossos ouvidos a orientação de que somos responsáveis pela propriedade imobiliária no Brasil, como direito e como instituição. Ecoa em nossos ouvidos permanentemente que devemos envidar todos os esforços para aperfeiçoarmos a prática e a técnica registral imobiliária, melhor servindo àqueles que nos acolhem como sinônimos de Segurança e Eficácia Jurídica. Na memória, a história de lutas contra a incompreensão, de tempos de amarguras e sofrimentos até chegarmos à fé do Povo e do Constituinte.
    Posto bancário? Iminente traição ao Povo, ao Constituinte e aos antepassados registradores de imóveis. Tu quoque, Brute, fili mi? Teria pronunciado o imperador romano Julio César antes de tombar sob os golpes dos conjurados, dentre eles, Brutus – seu filho. Na Itália de hoje a expressão indica a surpresa de uma pessoa diante do comportamento de outra, principalmente se esta se deixa seduzir por uma moda considerada inferior. Segundo RENZO TOSI, in Dizionario Delle Senteze Latine e Greche – RCS : Milão, 1991, p. 129.

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