O valor do registro e o neo-zapatismo

Valor do registro? Ou elemento apendicular meramente retórico e justificador da decisão? Francamente, não sei dizer.

O Ministro Eros Grau acaba de negar concessão de segurança contra decreto presidencial abrindo as porteiras para a desapropriação de uma propriedade rural. A justificativa é singela: nos autos não restou comprovado que a propriedade houvera sido fracionada – ainda que o proprietário tivesse falecido e o imóvel sido transferido aos herdeiros por força da saisine.
Diz o Ministro: “os impetrantes não juntam aos autos nenhum documento que comprove a divisão do imóvel, quer física, quer registrada no cartório competente, quer cadastrada no Incra”.
Quer dizer então que uma providência formal (registro em cartório ou cadastro no Incra) teria o condão de salvar a propriedade da desapropriação?
Uma vez mais, não sei.

Causa espécie que se equiparem providências tão díspares e com fins completamente distintos, como sejam a divisão jurídica e fracionamento físico da parcela – registro ou cadastro – para o fim de justificar a liquidação do domínio privado. Tivesse registrado o formal de partilha e o triste destino teria sido evitado? E a posse localizada?
Enfim, francamente não sei…
Ainda que a providência do registro obviamente seja defendida neste espaço, a equiparação à posse localizada e ao cadastro demonstram, com certa clareza, que os conceitos foram elencados como mera artíficio retórico para denegação da segurança.
Uma vez mais dê-se o benfício da dúvida. Não se pode fiar exclusivamente nas notas jornalísticas quando a matéria é de profundas implicações jurídicas.
Confira a notícia da R. decisão:

Plenário nega pedido de família que questionava desapropriação de terras para fins de reforma agrária

Por 5 votos a 4, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou a concessão de mandado de segurança (MS 26129) para o proprietário, junto com seus 12 filhos, da fazenda Travessada e Balanças, no município de Verdejante (PE). O objetivo da família era impedir a desapropriação da fazenda para fins de reforma agrária, tendo em vista decreto do presidente da República que qualificou a terra como grande propriedade improdutiva e determinou que fosse desapropriada.

A defesa explica que a fazenda não poderia ter sido desapropriada, pois não pode ser considerada grande propriedade rural. Explica que, no ano de 1991, com a morte da matriarca da família, foi aberto um inventário que dividiu a fazenda entre os herdeiros. A partir de então, formaram-se novos imóveis que passaram a ser classificados como pequenas propriedades rurais. Dessa forma, não poderia ter sido destinada para reforma agrária como estabelece a Lei 8.629/93 no (artigo 4º, III, parágrafo único) que diz que “são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e média propriedade rural, desde que o seu proprietário não possua outra propriedade rural”.

Voto do relator

Em seu voto, o ministro Eros Grau lembrou do disposto no artigo 46, parágrafo 6º da Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra), que afirma que, no caso de imóvel rural em comum, por força de herança, as partes ideais são consideradas como se divisão houvesse. O ministro afirmou, porém, que esse dispositivo tem a única finalidade de instrumentalizar o cálculo do coeficiente de progressividade do imposto territorial rural. “Nada mais do que isso”, acrescenta o relator.

O procedimento previsto no Estatuto da Terra está voltado exclusivamente a fins tributários, ressaltou Eros Grau, e não se empresta a ser utilizado como parâmetro no dimensionamento de imóveis rurais destinados à Reforma Agrária, matéria afeta à Lei 8.629/93.

“Coisa distinta da titularidade de um imóvel é sua integridade física como uma só unidade. Ainda que se admita a existência de condomínio, essa unidade não pode ser afastada ou superada quando da apuração da sua área para fins de reforma agrária”, salientou o ministro.

Por fim, o ministro realçou não ter encontrado nos autos do mandado de segurança qualquer elemento que comprove que a fazenda Travessada e Balanças possa ser tomada como um conjunto de pequenas propriedades rurais, distintas e individualizadas. “Os impetrantes não juntam aos autos nenhum documento que comprove a divisão do imóvel, quer física, quer registrada no cartório competente, quer cadastrada no Incra”, finalizou o ministro.

Por esta razão, o ministro votou no sentido de negar a concessão do Mandado de Segurança, sendo acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence, que formaram a maioria.

Divergiram do voto do relator os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e a presidente, ministra Ellen Gracie. Conforme salientou o ministro Marco Aurélio, como conseqüência da sucessão, surgiram médias propriedades, que por lei são imunes à desapropriação. Para ele, pouco importa que haja um formal de partilha, e que esse formal não tenha sido levado ao registro de imóveis. A sucessão se verificou antes do início do processo e, portanto, as propriedades não seriam passíveis de desapropriação.

Processos relacionados : MS-26129 – Fonte: http://www.stf.gov.br/

Foto: Viva Zapata! EUA, 1952. Dir. Elia Kazan. Roteiro de John Steinbeck. Com Marlon Brando, Anthony Quinn, Jean Peters, Joseph Wiseman, Arnold Moss e Alan Reed.

Deixe uma resposta