Gratuidades – chegaremos aos limites da razoabilidade?

A questão da explosão das gratuidades nos registros imobiliários, distribuídas sem qualquer critério objetivo, vem merecendo um tratamento mais racional e consentâneo com o espírito da lei 1.060, de 1950. É o que se vê da decisão que logo abaixo publicamos.

Tenho insistido muito na tese de que a referida Lei 1.060, de 1950, não se aplica tout court aos notários e registradores. A lei trata, especificamente, da concessão de assistência judiciária aos necessitados – não tem por fim regular os emolumentos dos serviços extrajudiciais repaginados a partir da Constituição Federal de 1988. Nem poderia fazê-lo, a rigor, se considerarmos a competência legislativa dos estados para disciplinar a cobrança de emolumentos (art. 236, § 2º c.c. art. 1º da Lei 10.169, de 2000).

Não desconheço as respeitáveis decisões do STF e de alguns tribunais estaduais. As decisões do STF importam unicamente porque expressam, em nosso sistema, a palavra final acerca do tema apreciado pela alta Corte – ao que redarguiria: palavra final, por enquanto… Algumas dessas decisões, sempre respeitáveis, não valem muito mais do que isso mesmo: impõem o entendimento autorizado da matéria legal, mas não encerra, em doutrina,  a sua discussão e aprofundamento.

Convenhamos, não tem sentido falar em “emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça” (inc. II, art. 3º da citada lei). A lei visava remunerar os profissionais integrantes de um quadro judiciário que se desenhava à época de sua promulgação cujo perfil foi fundamentalmente modificado. Sob esse aspecto, a lei simplesmente não foi recepcionada pela nova ordem constitucional.

Cumprindo o comando constitucional, adveio a Lei 10.169, de 2000 e em seguida a nossa Lei Estadual 11.331, de 26 de dezembro de 2002.

O legislador foi sábio. Andou bem quando exige que o juiz reitere a repercussão da gratuidade deferida no processo:

“são gratuitos: os atos praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for determinado pelo Juízo” (art. 9º, inc. II da Lei Estadual).

Notem que é necessário expressa determinação judicial, veiculada por mandado judicial, dirigido ao foro extrajudicial para que a projeção dos efeitos da gratuidade, decretada no processo, atinjam o registro ou as notas.

Para a consumação da gratuidade é necessário o concurso de três pressupostos: (a) concessão do benefício no bojo do processo judicial e (b) expressa determinação para repetição dos efeitos no foro extrajudicial e (c) veículo formal – mandado judicial.

A gratuidade decretada no processo não pode ser considerado um fato estático. Decretada com força de decisão transitada, eppur si muove! É preciso analisar o elemento inovador na situação jurídica-patrimonial dos beneficiados representado pela mutação patrimonial decorrente do encerramento do processo. Ao serem adjudicados os bens em partilha sucessiva a inventário ou separação,  a situação patrimonial dos envolvidos se  modificou, transformando, logicamente, a situação jurídica verificada no início do processo.

Fico a dever um estudo mais detido da matéria. Há vários aspectos a serem abordados.

De um modo geral, a interpretação generosa que se confere à lei permanece como uma espécie de marco ideológico, claramente identificado no tempo e no espaço, mas que ainda se expressa com admirável viço.

Estou convencido, inteiramente, de que a lei da assistência judiciária não se aplica aos notários e registradores sem as peias criadas pela lei estadual. Essa é a verdadeira interpretação conforme a constituição.

Vamos à decisão:

Emolumentos – certidão – usucapião. Gratuidade – assistência judiciária.

EMENTA NÃO OFICIAL. Assistência judiciária gratuita. Expedição de certidão. “A gratuidade somente alcança o registro da sentença de usucapião, não abrangendo a expedição de certidão da matrícula inaugurada em virtude da procedência da usucapião, porque de nada serve ao processo, mas apenas ao interesse exclusivo dos interessados”.

Processo 0017405-94.2010.8.26.0100 (100.10.017405-0) – Pedido de Providências – Registro Civil das Pessoas Naturais [sic. Trata-se de registro de imóveis. NE]- Esther Maria de Gouveia e outros – CP. 192 – ADV: ARNALDO ALVES DE CASTRO (OAB 151738/SP)

VISTOS.

Cuida-se de reclamação formulada por EM G e outros contra o 3º Oficial de Registro de Imóveis, objetivando a devolução da quantia cobrada pelo Oficial pela expedição da “certidão declarando o domínio” sobre o imóvel da matrícula nº 129.093, descerrada em virtude da ação de usucapião que tramitou sob o nº 583.00.2004.091.963-2(682/04) perante a E. 2ª Vara de Registros Públicos.

O MM. Juízo da 2ª Vara de Registros Públicos expediu ofício de fls. 06/11, contendo o extrato do processo, o qual foi complementado às fls. 15/20.

É O RELATÓRIO.

FUNDAMENTO E DECIDO.

O pedido deve ser rejeitado haja vista que a gratuidade somente alcança o registro da sentença de usucapião, não abrangendo a expedição de certidão da matrícula inaugurada em virtude da procedência da usucapião, porque de nada serve ao processo, mas apenas ao interesse exclusivo dos interessados.

No que diz respeito ao desarquivamento dos autos perante à E. 2ª Vara de Registros Públicos, verifica-se pelo extrato do processo que o MM. Juízo já se pronunciou determinando o recolhimento da taxa de desarquivamento o que, por óbvio, não pode ser reapreciado por este juízo.

Posto isso, indefiro o pedido dos interessados e, não verificada qualquer violação funcional na conduta do Oficial do 3º Registro de Imóveis, determino o arquivamento dos autos.

Ciência ao 3º Registro de Imóveis.

Após, ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 19 de outubro de 2010.

Gustavo Henrique Bretas Marzagão.

Juiz de Direito.

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