
Recente decisão do MM. Juiz da Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo, abaixo reproduzida, enfrentou uma questão muito interessante e que ainda não repercutiu nos registros imobiliários. Trata-se de títulos judiciais extraídos da processos de execução e que, por força de lei, são considerados perfeitos, acabados e irretratáveis, “ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado (Lei nº 11.382/2006 que alterou o art. 694 do Código de Processo Civil).
A R. decisão afastou a necessidade de se exigir a certidão de trânsito em julgado em virtude da irreversibilidade da transmissão imobiliária:
Como se vê, mesmo no caso de procedência dos embargos, o executado terá direito de receber do exequente apenas o valor por este auferido como produto da arrematação, e não de reaver o imóvel.
Daí decorre a possibilidade do registro da carta de arrematação no Registro de Imóveis a despeito do ausência do trânsito em julgado dos recursos.
A exegese parece muito coerente e conforme o espírito da reforma do CPC, mas cabe uma ressalva.
A condição resolutiva, figurando no título como cláusula acessória do ato transmissivo (arrematação) não se referia à condição do pagamento do bem praceado, mas o auto de arrematação terá se armado da condição resolutiva por depender, a arrematação, do trânsito em julgado.
Dentre as hipóteses de invalidade da arrematação, previstas no art. 694 do CPC, acha-se o vício de nulidade do ato (§ 1º inciso I):
§ 1º A arrematação poderá, no entanto, ser tornada sem efeito: (Renumerado com alteração do parágrafo único, pela Lei nº 11.382, de 2006).
I – por vício de nulidade;
A nulidade da arrematação poderá ser apreciada em qualquer grau de jurisdição e não implicaria a automática aplicação do §2º – que trata da eventual procedência de embargos de terceiros, porque disso não se trata.
Hipótese completamente distinta, a nulidade poderia, sem a cláusula adjeta, colocar em risco terceiros adquirentes se reconhecida em grau de recurso.
Não tenho em mãos o procedimento e não posso divisar, pelo texto da R. decisão, as circunstâncias que ensejaram a prolação da sentença abaixo divulgada.
Seja como for, inclinar-me-ia a proceder ao registro da arrematação deferida sob condição resolutiva, tal como se acha no título, figurando tal circunstância no registro, fato que, por si só, teria o condão de acautelar terceiros na eventual aquisição do imóvel.
Carta de arrematação – condição resolutiva. Título judicial – qualificação registral. Trânsito em julgado.
EMENTA NÃO OFICIAL. 1) – O título judicial está sujeito à qualificação registrária.2) – em regra deve se exigir a certificação do trânsito em julgado de decisões que serão objeto de registro. Acesso de Carta de arrematação no Registro de Imóveis deferido a despeito do ausência do trânsito em julgado dos recursos (art. 694 do CPC).
Processo 0026225-05.2010.8.26.0100 (100.10.026225-1) – Dúvida – Registro de Imóveis – 15º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital – Alcides dos Santos Lisboa – CP. 288 – ADV: WANDERSON THYEGO PEREIRA (OAB 274414/SP).
VISTOS.
O 15º Oficial de Registro de imóveis, a requerimento do interessado ALCIDES DOS SANTOS LISBOA, suscitou dúvida em razão da recusa em registrar a carta de arrematação sob condição resolutiva oriunda da reclamação trabalhista no imóvel objeto da matrícula nº 88.529, daquela Serventia.
Aduz que a carta de arrematação foi concedida sob condição resolutiva não em razão do pagamento da arrematação, mas por depender do trânsito em julgado, o que viola o princípio da legalidade registrária.
O interessado impugnou a dúvida, alegando que o pagamento foi feito em parcela única de sorte que a recusa do Oficial, baseada na aplicação da sistemática do Gedeg e Arisp, deve ser afastada (fls. 07/09).
O Ministério Público, após considerar pertinente o óbice do registrador, opinou pela improcedência da dúvida apenas em razão do que ficou decidido nos autos do conflito de competência nº 106446-SP, do STJ (fls. 26/29).
É O RELATÓRIO.
FUNDAMENTO E DECIDO.
Observe-se, de início, que os títulos judiciais não estão imunes à qualificação da Serventia para ingresso no fólio real. Nos autos da apelação cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto, decidiu o E. Conselho Superior da Magistratura que:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal, O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
O Egrégio Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação cível n.413-6/7).
Fica claro, destarte, que não basta a existência de título proveniente de órgão judicial para autorizar o ingresso no registro tabular.
O caso ora em exame, a despeito do r entendimento do Ministério Público, não se amolda aos termos do conflito de competência nº 106446-SP, do STJ, haja vista que não há manifestação do MM. Juízo do Trabalho determinando o registro do título.
Há apenas expedição de título oriundo de execução trabalhista, o qual foi apresentado diretamente pelo interessado e qualificado negativamente pelo Oficial.
Sabe-se que a segurança jurídica é o escopo maior dos registros públicos, motivo por que exige-se o trânsito em julgado para o registro dos títulos.
Contudo, o caso em exame encerra uma peculiaridade que o difere dos demais.
A Lei nº 11.382/06 alterou o art. 694 do Código de Processo Civil, agora redigido nos seguintes termos:
“Assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da justiça ou leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado. (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 1º A arrematação poderá, no entanto, ser tornada sem efeito: (Renumerado com alteração do parágrafo único, pela Lei nº 11.382, de 2006).
I – por vício de nulidade; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
II – se não for pago o preço ou se não for prestada a caução; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
III – quando o arrematante provar, nos 5 (cinco) dias seguintes, a existência de ônus real ou de gravame (art. 686, inciso V) não mencionado no edital; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
IV – a requerimento do arrematante, na hipótese de embargos à arrematação (art. 746, §§ 1o e 2o); (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
V – quando realizada por preço vil (art. 692); (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
VI – nos casos previstos neste Código (art. 698). (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 2º No caso de procedência dos embargos, o executado terá direito a haver do exeqüente o valor por este recebido como produto da arrematação; caso inferior ao valor do bem, haverá do exeqüente também a diferença.”
Como se vê, mesmo no caso de procedência dos embargos, o executado terá direito de receber do exequente apenas o valor por este auferido como produto da arrematação, e não de reaver o imóvel.
Daí decorre a possibilidade do registro da carta de arrematação no Registro de Imóveis a despeito do ausência do trânsito em julgado dos recursos.
Entendimento contrário implicaria esvaziar o teor da inovação legal, uma vez que, como a propriedade dos bens imóveis só se transfere, exceto no caso da saisine, por meio do registro do título aquisitivo no Registro de Imóveis, seria de pouca ou nenhuma utilidade a alguém possuir uma carta de arrematação que não pode ser registrada.
À vista dessa peculiaridade da carta de arrematação, que decorre de texto expresso de Lei, fica superada a questão referente à condição resolutiva.
Posto isso, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo 15º Oficial de Registro de Imóveis para determinar o registro da carta de arrematação.
Para os fins do art. 203, II, da Lei nº 6.015/73, servirá esta de mandado, nos termos da Portaria Conjunta nº 01/08, da 1ª e 2ª Varas de Registros Públicos da Capital.
Nada sendo requerido no prazo legal, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 29 de setembro de 2010.
Gustavo Henrique Bretas Marzagão.
Juiz de Direito