É pessoal. É privado. E não lhe interessa – seja v. quem for!

Theseus_Athena_Louvre_G104As recentes decisões judiciais acerca do Whatsapp são inócuas e não resolverão o problema da opacidade nas comunicações. E isto por várias razões. A primeira, indisputada, é a seguinte: todo cidadão tem o direito de manter suas comunicações em sigilo e ver preservadas a privacidade e intimidade.

Tornou-se célebre as palavras iniciais do manifesto de Phil Zimmermann quando escreveu o código PgP de criptografia:

– “It’s personal. It’s private. And it’s no one’s business but yours. You may be planning a political campaign, discussing your taxes, or having a secret romance. Or you may be communicating with a political dissident in a repressive country. Whatever it is, you don’t want your private electronic mail (email) or confidential documents read by anyone else. There’s nothing wrong with asserting your privacy. Privacy is as apple-pie as the Constitution.

Phill foi perseguido pelo governo norte-americano. Hoje é uma das mais célebres e reconhecidas autoridades no tema da privacidade.

O Estado deve ser freado em sua sanha “escrutinizadora”. A esmagadora maioria da população brasileira não comete crimes e não merece ser privada de serviços já essenciais, como o Whatsapp.

O pano de fundo dessa controvérsia toda é o impulso que anima os estados contemporâneos a empreender devassas eletrônicas, bisbilhotando e apropriando-se de dados de caráter pessoal para fins políticos e administrativos.

É evidente que ninguém pode compactuar com a prática de crimes. Todos somos concordes e uníssonos em apoiar medidas que possam ser tomadas para coibi-los e garantir um nível aceitável de segurança à sociedade.

Mas essas decisões judiciais estapafúrdias serão eficazes?

Duvido muito. Somente aquele que crê, ingenuamente, que o crime organizado não conheça e domine a tecnologia de criptografia ou que não esteja atuando, há tempos, em camadas superpostas à internet tradicional, pode ser convencido do acerto dessas decisões. São conhecidas as ferramentas que permitem acesso à deep web e ao cipherspace, como RetroShare, KAD, Freenet, I2P, TOR etc. Estima-se que sobre a surface web se organize, superposto, um emaranhado de redes que chega a ser 500 vezes maior do que a web indexada pelo Google.

Hoje é perfeitamente possível trocar mensagens criptografadas utilizando-se de navegadores que preservam o anonimato. Vejam, por exemplo, a experiência TOR – The Onion Router – https://www.torproject.org/

Sou um crítico dessa tendência de bisbilhotice truculenta e indiscriminada. Ela é se faz presente especialmente entre nós, sob vários modos e de diferentes maneiras. Todas trazem a marca, o mesmo timbre e padrão.

Muitos sabem de minhas restrições acerca de medidas como as que fundamentam a criação do Sinter e sua infra-estrutura de assalto aos dados registrais (pessoais e indevassáveis por definição). Essas medidas vêm embaladas pelos recentes decretos 8.764/2016, 8.777/2016 e o novo 8.789/2016.

Tenho alertado que o mais grave dessas medidas é o decaimento do status dos dados registrais que se convertem em meros dados cadastrais. Ou seja: o cidadão, que mantém voluntariamente (ou não) seus dados sob a custódia dos Registros Públicos, de uma hora para outra pode ter seus dados pessoais convertidos em dados cadastrais, recombinados e processados para fins administrativos, políticos ou mesmo privados (v. inc. VII do art. 1º do Decreto 8.777/2016).

Acaso os Registros Públicos não se realizam e concretizam por uma singular atividade de tutela pública de interesses privados? Ora, esses interesses privados podem ser agitados em face do próprio Estado!

A meu respeito, e dos meus concidadãos, o estado só pode obter informações quando o acesso for consentido. Trata-se de autodeterminação na disponibilização dos dados de caráter pessoal.

Vivemos dias difíceis. A única esperança reside na confiança de que seremos capazes de superar as barreiras e criar mecanismos e anteparos para colocar freios na sanha perscrutadora do estado.

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