IRIB e o Registro Eletrônico brasileiro

Causa certo desconforto admitir que o IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil possa ser considerado como “a casa do Registrador Imobiliário do Brasil”. Por muito menos que incompreensões e vaidades extirpou-se o nome do Instituto do articulado da MP 759/2016 em dispositivo que o indicava como agente das grandes transformações que o Registro de Imóveis brasileiro deveria experimentar (art. 54).

Muito embora a resistência coordenada, nunca sobeja reafirmar a importância do IRIB na condução dos temas de interesse corporativo e institucional.

Gostaria de trazer ao conhecimento dos jovens colegas a marca indelével do protagonismo do Instituto desde as suas origens. E o faço hoje honrando a memória de Elvino Silva Filho e recuperando parte do brilhante discurso do desembargador Márcio Martins Ferreira proferido por ocasião da fundação do IRIB, no longínquo ano de 1974.

ElvinoQualquer um de nós, registradores ou não, que queira compreender o processo de modernização do registro de imóveis a partir da segunda metade do século XX deve voltar-se à figura emblemática do grande registrador brasileiro, jurista de escol, presidente do IRIB, Elvino Silva Filho.

Elvino esteve presente à fundação do CINDER – Centro Internacional de Direito Registral no ano de 1972, onde integrou a comissão encarregada de redigir as conclusões do Comissão III [Conclusões da Comissão III] que tratou do tema da mecanização do Registro de Imóveis. Logo em seguida, os registradores brasileiros, por intermédio da Associação dos Serventuários de Justiça do Estado de São Paulo, encaminhariam um relatório e memorial ao Ministro da Justiça e ao Corregedor-Geral de Justiça de São Paulo oferecendo sugestões para a modificação do Decreto-lei n.º 1.000/69 “a fim de que o Registro Imobiliário brasileiro, principalmente nos grandes centros urbanos, pudesse ser feito de acordo com a conquista da tecnologia moderna, aproveitando os avanços da cibernética, e, ganhando em celeridade e racionalização”.

Assim foi. O Corregedor-Geral de São Paulo e o próprio Ministro da Justiça receberiam dos registradores paulistas uma proposta que permitiria aprofundar as discussões que antecederam o advento da Lei 6.015/1973.

Posteriormente, esteve presente no Congresso que se realizou em Madri, onde apresentou uma excelente contribuição – A unidade imóvel – fólio real – e a mecanização dos registros no Brasil. O texto seria publicado posteriormente na Revista dos Tribunais na edição 477, de julho de 1975.

Do excelente trabalho, gostaria de destacar:

“E, nesta oportunidade, não poderíamos deixar de nos referir, também, à utilização de computadores, uma vez que os Registros de Imóveis, além de serem os repositórios dos imóveis e das pessoas dos titulares de direito sobre eles, devem possibilitar precisas informações sobre esses dois dados ou elementos. É, no que se constitui a informática, no dizer do Prof. Ivan Sá Motta, Chefe do Departamento de Métodos Quantitativos e Informática da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. A informática, na definição desse Professor, ‘é o processo de transformação da informação de uma certa qualidade em outra, de qualidade mais fácil de ser utilizada’. É o que, precisamente, o Registro de Imóveis deve proporcionar.

A mecanização dos registros possibilitará, assim, no Brasil, em futuro não muito remoto, a aplicação da cibernética, mediante a utilização de computadores, para o processamento das informações sobre os imóveis e os titulares do seu domínio (…).

Ainda, para completar esse extraordinário apoio de um computador, a mecanização dos registros poderá se utilizar da microfilmagem, da qual nos referiremos mais adiante, conjugada ou não com o computador, através do sistema ‘COM’ – Computer Output Microfilm” (…).

Dir-se-á que tais previsões são um tanto quanto visionárias de nossa parte, para a implantação no Brasil. Não comungamos, todavia, dessa opinião. Se o homem dispõe da máquina para a sua utilização, por que não utilizá-la para u’a maior eficiência nos seus serviços?” (RT 477/34).

Vamos ao ilustre desembargador Márcio Martins Ferreira, homem culto, tradicionalista e com uma visão moderna acerca das grandes transformações tecnológicas de seu tempo.

Volto Ao tema com maiores detalhes (Sérgio Jacomino).

IRIB – a “Universidade de Direito Imobiliário”

MárcioMartinsFerreira
Márcio Martins Ferreira

“E tudo isso sugere uma outra advertência: será preciso, desde logo, que o estudo da Cibernética entre nas cogitações dos responsáveis pela eficiência dos Registros Imobiliários. A Cibernética ‘filha da simbiose de necessidades científicas e militares, é apenas um belo nome, de estirpe grega, para a segunda revolução industrial’ Dela podemos dizer que será a alavanca de alterações e de adaptações sociais e irá reformular o próprio Direito.

Ela se apressa a penetrar em todas as áreas da atividade humana, como o ‘fruto da árvore da ciência do bem e do mal’. Como já se tem notícia ‘à medida em que o Brasil vai entrando na era do computador, sua aplicação vai se difundindo e se multiplicando’: registros públicos e controles sobre propriedades (móveis e imóveis); registros de comércio, aplicações no terreno fiscal; contabilidade computada em bancos, INPS e etc.

A verdade é que a Cibernética está modificando o comportamento dos indivíduos, em função das recém-introduzidas relações de estrutura de poder, do processo produtivo, do mecanismo do trabalho e até dos controles de natureza burocrática e política, que afetam diretamente o destino de cada ser humano.

Já se alarma mesmo que o emprego da eletrônica e da Cibernética ameaça, desde já, no seu nascedouro, os próprios direitos individuais, historicamente protegidos, e que dizem respeito à liberdade e à inviolabilidade do cidadão. É uma consideração, sem dúvida, que desperta temor, mas que, por certo, adianta muito a corrida dos efeitos de tal intervenção nos domínios do Direito.

IRIB-fundacao-1974
FUNDAÇÃO DO IRIB – Alfredo Coaracy Brazil Gandolfo, Maria Helena Leonel Gandolfo, Elvino Silva Filho, Marizita (esposa do Dr. Elvino), não identificado, Fernando de Barros Silveira e  Antonio Carlos Carvalhaes (?). Foto: 19/6/1974. Hotel Eldorado, na Avenida São Luiz, em São Paulo, Capital.

Sugestões existem que é tempo de criar em nossas Escolas a cadeira ‘Cibernética e Ciência do Direito’, para estudo das múltiplas implicações da utilização do computador – como ‘Feiticeiro do Século XX’, e que está abrindo novos horizontes à humanidade.

O congestionamento da Justiça nos grandes centros já vem reclamando o uso da Cibernética. Aqui em São Paulo já existe uma programação para ser executada. E somos pioneiros. A Justiça da Guanabara também elaborou um plano-piloto de serviços, para emprego do computador na administração da Justiça. Há ali um planejamento dividindo em três fases de implementação. Na primeira fase haverá o controle e implantação dos cadastros da Vara de Execuções, para controlar o status da população carcerária. Em segundo lugar, os controles mecânicos quanto a indultos, sursis e fatos modificadores da pena. A experiência visa criar um sistema informativo e permitir um fluxo de informações entre os Poderes Judiciário e Executivo”.

(…)

“Toda essa fascinação, todavia, não pode nos levar ao esquecimento de que a automação de nossos dias é parte de um processo evolucionário que nos legou o século XIX. Só as técnicas de hoje são novas: os conceitos eram conhecidos há mais de um século, daí podermos afirmar que Pascal (inventou o primeiro computador mecânico), Jacquard (o tear – a primeira máquina operada por meio de cartões perfurados) e Charles Babbage (máquina analítica), que ficou nos desenhos. Se tivesse sido construída, trabalharia como os computadores eletrônicos de hoje – e concebeu a máquina destinada a calcular e imprimir tabelas matemáticas – nasceram antes do tempo. O desejo de mecanizar, portanto, não é invenção nossa.

A conquista do espaço propiciou no mundo de hoje o desencadeamento de todas as forças que o engenho humano soube conceber. Valeu a técnica e não somente a genialidade.

Como a Cibernética acena para a vida da Justiça, tomamos este pouco tempo para focalizá-la. E no rico cenário deste Encontro, que prepara as bases de um novo futuro, em meio às mais promissoras realizações, era oportuno realçar tudo que em perfeita simbiose constituirá amanhã um dos altos objetivos do magnífico resultado de uma brilhante ideia. Brilhante e definidora da grandeza de um pugilo de homens que não perdem a chama do ideal que ilumina os seus corações.

E podíamos justificar mais: assim como a poesia é a taquigrafia da alma, a Justiça é o computador das aspirações que comandam o destino do homem.

Prossiga esta ideia pela larga estrada da verdade e do sucesso. Que o mundo de amanhã não possa surpreender os arautos desta admirável iniciativa nas surpresas de um novo status que antes não tivessem prevenido na superior visão do Instituto que hoje toma corpo e grandeza.

Temos a imensa satisfação de registrar no coração de São Paulo e do Brasil, como uma transcrição imutável no tempo e no espaço, a nossa confiança e a nossa fé nos homens que tiveram a genial e corajosa primazia em criar uma Universidade de Direito Imobiliário. E assim será o INSTITUTO que motiva o 1 Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis, de cunho nacional”. (Boletim da ASJESP n. 98, abril/dezembro 1974, p. 47 e ss.).

2 comentários sobre “IRIB e o Registro Eletrônico brasileiro

Deixe uma resposta para Flauzilino Araújo dos SantosCancelar resposta