1 milhão de acessos

Olá, leitor!

19 de novembro de 2019. Neste dia, atingimos 1 milhão de acessos. É muito? É pouco? Estas questões me assaltam nesta terça-feira como tantas outras no calendário. Devo comemorar a efeméride?

Este blogue é muito restrito. Interessa a uma categoria profissional que não ultrapassa os 4 milhares de oficiais de registro de imóveis do país, e no entanto atingimos 1 milhão de acessos.

Mas, afinal, quem nos lê?

Sinto-me como o náufrago que lança mensagens na garrafa. Em algum lugar de um tempo imponderável a informação vai bater e um leitor curioso vai passar os olhos nesta mensagem. Qual será sua reação? Quanto tempo levará até que a garrafa lhe chegue como um soluço do universo? Será como um sopro que se esvai da garrafa e se dissolve no universo com um raro perfume?

No fundo, é desesperador. O escriba não sabe o que lhe aguarda na esquina seguinte e, no entanto, seu anelo atávico o leva lançar ao cosmo um fanal tímido, expressão de uma alma antiga, a sinalizar que ainda pulsa o coração do escrevente.

Quantas páginas do grande livro de registro minha mão venceu? quantos títulos inscreveu? Inaugurei a cada dia um novo fólio, fixei as efemérides da vida dos homens – nascimentos, mortes, partilhas, doações, vendas, compras… Eis-me aqui, registrando um evento cuja importância ainda busco avaliar.

Sou um escriba, um velho registrador. 1 milhão será como um grão de areia num oceano infinito e incompreensível. Mas será único, irrepetível, singular. O gosto de ser uma entre bilhões e bilhões de estrelas terá valido a pena.

PS. Caro leitor. O início desta mensagem dormitou nos rascunhos desde o dia em que me dei conta que ultrapassáramos o milhão de acessos. O tempo escoou e eis-me aqui, agora, perdido em “pensamentos de caracol”, como disse meu querido compadre Gustavo Pena.

Resolvi postá-la definitivamente, de modo o mais discreto possível. Somente os poucos assinantes do blogue receberão em suas caixas-postais esta mensagem na garrafa (26/6/2021, 7:11AM)

ONR – STF – SREI. Facts and fakes.

STF – ONR – DE QUANTAS FALSIDADES SE CONSTRÓI UMA VERDADE?

Vivemos a época da pós-verdade, post-fact.

Li atentamente r. decisão do Min. Gilmar Mendes e ele relata fielmente a afirmação posta nos autos. Ali se sustenta, candidamente, que o ONR promoverá a atração e concentração de todos os dados registrais, ferindo os mais elementares direitos dos cidadãos e destruindo o modelo de delegação.

Vamos conhecer o argumento apresentado ao STF:

“Destaca [a postulante] que,   através   de   outros   provimentos exarados pela Corregedoria Nacional de Justiça (Provimento 48/2016 e Provimento 89/2019), também foram criadas centrais relativas: a) ao registro de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas; e b) ao registro de imóveis, com o mesmo intuito, qual seja, a remessa de todos os registros e respectivos documentos, contendo dados pessoais, para as respectivas centrais, geridos e administrados por associações privadas, que passarão a ser detentoras de todos os registros do país, de todos os cidadãos brasileiros, sem qualquer exceção, sendo que, a partir da alimentação dos respectivos bancos de dados, qualquer pessoa poderá acessar tais dados pela rede mundial de computadores, pagando um módico preço de uma certidão”.

“Aduz [a postulante] que o gerenciamento dessas informações por associações privadas implicaria no desvirtuamento do modelo de delegação e fiscalização previsto pela Constituição da República, pois seria incabível a delegação dos serviços notariais e de registro à pessoa jurídica de direito privado e a fiscalização por parte do Poder Judiciário”.

Os grifos são nossos. Ação Ordinária 2.549.

Esses foram os argumentos apresentados à Corte. Verdade? Mentira? Fact ou fake?

Neste mundo de slogans e simulacros, já não importa a verdade dos fatos. Importam as versões, as narrativas, os slogans, postos em circulação e que tendem a ser assimiladas como verdades indiscutíveis não só por magistrados, mas pela própria classe. Por um efeito desses fenômenos de difração cognitiva, tornam-se verdades absolutas para aqueles que formulam suas próprias fantasias.

Já se tornou ocioso nesta página dizer o que já se disse e redisse centenas de vezes:

Não há, nunca houve, não haverá uma porca linha sequer na documentação do ONR, de sua regulamentação pelo CNJ, que postule ou sustente a concentração de dados e documentos no SREI.

O “cartorião” é um delírio retórico de luditas pseudoilustrados que creem na própria narrativa. Tal fantasia mereceu a nossa incansável refutação.

CENTRAIS ELETRÔNICAS DE SERVIÇOS COMPARTILHADOS. ONR . ARPEN. CRC. LGPD . SREI. STF – AO – AÇÃO ORIGINÁRIA: 2.549. j. 21/6/2021, DJ 22/6/2021, rel. Gilmar Mendes. Acesso: http://kollsys.org/qfg.

CEN-TRA-LI-ZA-ÇÃO – entenderam?

CEN-TRA-LI-ZA-ÇÃO – entenderam?
Sérgio Jacomino [1]

A pós-modernidade e o relativismo – a fragmentação do real e a era do post truth

Deparei-me nesta radiosa manhã com o texto As centrais de cartórios e os riscos à proteção de dados pessoais – Centralização do sistema registral é incompatível com as disposições da LGPD, de autoria de renomados juristas que se dedicaram à tarefa de prospectar o que poderia vir a ser o ONR – Operador Nacional do Registro Eletrônico de Imóveis e o SREI – Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis [2].

O texto é uma reiteração de argumentos já apresentados e que parecem dimanar de uma mesma fonte original, fonte esta que, por seu turno, busca diligentemente erigir uma espécie de “mito fundacional” do Sistema SREI-ONR, assentando-o sobre meras narrativas. Nihil novi sub sole, apenas um típico fenômeno de desinformação.

Mas, afinal, qual o eixo essencial do artigo? Em que bases se assenta?

Sob um texto bem escrito, com a citação de autores e temas relevantes, afinal nos deparamos, apenas e tão somente, com uma suíte jornalística. Qual a gema nuclear do discurso? Responde-se: CEN-TRA-LI-ZA-ÇÃO – expressão soletrada, escrita, reescrita, sobrescrita, como se a verdade pudesse ser proscrita e de suas cinzas pudesse brotar a fonte de todas as virtudes.

Continuar lendo

IRIB – até aqui viemos e daqui outros haverão de partir

Sérgio Jacomino

Chegamos ao final de mais uma jornada. Foi uma travessia dura, cheia de desafios e percalços, de erros e acertos, de incompreensões e intolerância, mas também de acolhimento, entendimento e sabedoria. Esse tempo foi igualmente de coincidências significativas – essa estranha combinação de eventos fortuitos que as Moiras entretecem e que nos surpreendem a cada passo. Os que acompanharam com atenção o desenrolar de todo o trabalho desenvolvido na última década – seja no IRIB, seja no CNJ, ou ainda no âmbito acadêmico – compreenderão imediatamente o que se contém nesta afirmação.

A peça dura e informe de mármore que os colegas veem na ilustração é um símbolo e um desafio que representam o que nos aguarda logo à frente e evoca o trabalho que deverá ser empreendido para desbastá-lo pela arte e perícia da categoria. Eu chego ao termo derradeiro desta que é a minha quarta gestão à frente do IRIB convocando os registradores brasileiros a uma grande tarefa, que é artefatar o material sólido e bruto, porém nobre, e plasmar o novo Registro de Imóveis eletrônico brasileiro.

Continuar lendo

Claudemir Daurélio e Anselmo Marcos Mendes

Amigos e amigas. Escreventes.

Hoje é o nosso dia. Uma vez escrevente, sempre escrevente!

Eu fui um escrevente, como hoje são muitos de vocês. Passei pelas mesmas agruras, dificuldades, alegrias e tristezas. A vida não é fácil, mas é linda. E é única.

Escrevi há pouco exatamente isso no memorial do FB de um colega, Claudemir Daurélio, escrevente que um dia foi como todos nós e que já partiu. Ele não está entre nós, acha-se nalgum lugar deste maravilhoso universo, tão belo e misterioso.

Nós, os escreventes de hoje e do amanhã, nunca nos esquecemos dos nossos irmãos. Somos uma família, uma frátria. Viemos com uma missão nobre à Terra dos Homens. Cada um de nós leva inscrito nos corações esta aventura de engastar-se e emaranhar-se na história de uma das mais antigas instituições do mundo. Nós nos confundimos com a escrita e por isso somos chamados escreventes

Parece banal, soa ordinário, corriqueiro o que vivemos no dia a dia de um Cartório.

Às vezes enxergamos na faina do ofício um verdadeiro sacrifício que é a diuturnidade da nossa atividade.

Entretanto, pensem na palavra “sacrifício” = sacer e facio = sacro fazer, sacro ofício. Ela é reveladora da nobreza da atividade de escreventes – aqueles que escrevem.

Rafael Nuñez Lagos proclamava que “no princípio foi o documento. E o documento criou o notário”. Amigos, cada palavra inscrita nos livros de registro representa uma averbação perene no belo Livro da Vida.

Nunca se esqueçam: “dar fé”, como damos aos nossos registros, é um ato sagrado e é por isso que dizemos que o ato feito e acabado acha-se “consagrado” nos livros de registro. As nossas certidões são expressão da verdade.

Uma vez escrevente, sempre escrevente! – o referido é verdade e dou fé.

FELIZ DIA DO ESCREVENTE.

Antes que o texto se esvaia feito o perfume da rosa que fenece na madrugada, deixe-me dizer quem são as figuras da foto.

O primeiro deles é ANSEMO MARCOS MENDES. Ele foi um escrevente no Primeiro Registro de Imóveis de São Bernardo do Campo, São Paulo. Um homem singular, opiniático, o que pode ser considerado uma expressão do seu tempo.

Trabalhávamos no registro. Hoje diríamos – “na qualificação”. Anselmo era eficiente, rápido, inteligente. Tinha sacadas hilárias, um sorriso lindo e generoso. Fazia as coisas em parceria com outro escrevente, Gilberto Bonício, hoje escrevente do 15 SRI de São Paulo.

Já o segundo é o CLAUDEMIR DAURÉLIO, um anjo delicado e nós o chamávamos de “Nenê”. Ele provinha de uma família cuja característica mais marcante era a singeleza, a pureza de alma. Traziam não sei de onde essa docilidade ímpar, cativante, singular… Há algo de espiritual e profundo na personalidade do amigo que me escapa completamente. Ele era irmão de Odair Daurélio, outro anjo que nos deixaria antes dele.

Odair amava as orquídeas, o Nenê era o amigo doce e terno, amoroso, bom ouvinte. Lembro-me dos dois assim, juntos; eram, ambos, a expressão de uma estirpe de homens bons e pacíficos.

Anselmo e Claudemir, como tantos do meu tempo de escrevente, partiram muito cedo. Deixaram sementes que hão de germinar e nos darão o testemunho do que foi o homem e o profissional.

Aos poucos tudo se esvai e perime. Ficam as inscrições e registros que lavramos. Assim é o homem e suas obras.

Dia do escrevente de cartório

Comemoramos, neste 3 de junho, o “dia do escrevente de cartório”. A efeméride está registrada na Wikipédia e vale a pena relembrar algumas passagens relativas à data e a estes importantes personagens dos cartórios judiciais e extrajudiciais – o escrevente de cartório.

No dia 9 de julho de 1953, o então deputado paulista Rogê Ferreira apresentaria, na Sala das Sessões Plenárias da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, o Projeto de Lei 648, de 1953, que dispunha sobre a comemoração do “Dia do Escrevente de Cartório”. Assim o justificava o deputado:

“Das mais importantes é sem dúvida a atuação dos escreventes de cartório na execução dos serviços judiciais e extrajudiciais. Classe numerosa e esquecida, ainda há pouco tempo estava sujeita às maiores injustiças por falta de leis que regulassem devidamente os seus direitos.

Após anos de luta em defesa de suas reivindicações, vêm os escreventes merecendo acolhida melhor. Numa justa homenagem a tão laboriosa classe e considerando magnifica a idéia sugerida em entrevista publicada pelo jornal “A Defesa”, de Campinas, no dia 3 do corrente mês, apresentamos o presente projeto de lei”.

O projeto apresentado trazia a assinatura de outro parlamentar, Alfredo Farhat, que empreenderia uma batalha contra os serventuários de justiça de São Paulo, buscando a “oficialização dos cartórios”.

O PL 648/1953 tramitou de maneira remansosa e contou com o parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça da ALESP (Parecer 613, de 16/6/1953).

Continuar lendo