Anoreg – Nota Técnica que necessita de revisão técnica…

A peroração abaixo é da lavra do eminente Dr. Ermitânio Prado, conspícuo causídico que substituiu as barras judiciárias pela pena.

Vamos dar-lhe voz.

“A AnoregBR, entidade que está encravada em Brasília e se supõe e presume representante de todos os registradores brasileiros, nos brinda com uma nótula técnica que, por sua ancianidade em tempos de internet e inadequação bem merecia ser revista antes de publicada.

Uma boa razão justificaria, de plano, maior cuidado na divulgação. É que na data de sua veiculação, a MP 459 já se havia convertido na malsinada Lei 11.977, de 2009. As referências aos artigos atacados na NT estão renumerados e, além disso, outras, e mais pertubadoras, inovações, foram incluídas nas discussões tumultuadas ocorridas na Câmara Federal, quando as terríveis exceções à MP 459 foram consumadas inter femoris. [mirror].

Não deixa de ser impressivo o fato de a própria AnoregBR, secundada pelo Irib – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, terem sido os responsáveis diretos por esta excrescência legal e venha agora, a primeira, a defender uma leitura acomodatícia da lei e propondo uma interpretação e exegese sub modus.

Este episódio retrata, e muito bem, a falta de coordenação da entidade com a parte viva e dinâmica da categoria de registradores imobiliários pátrios. As gestões, junto à Casa Civil e demais órgãos de Governo, demonstraram que as entidades singraram mares tormentosos sem as cautelas peritas. Faltou estratégia política e sobejou uma certa ingenuidade, indesculpável nesta idade institucional.

Quiçá a maior imprudência cometida pela entidade-madrasta – agora secundada pelo seu satélite amancebado – terá sido o deslocamento da discussão sobre emolumentos do quadrante estadual, como prevê a Constituição Federal (art. 236, § 2º) em combinação com a Lei Federal 10.169, de 29.12.200o (art. 1º), para o âmbito federal. Subverte-se, com a estratégia, a lógica da estadualização que sempre imperou na questão emolumentar. Afinal, não dá para tratar de modo igual os desiguais.

Como sempre se dá nestes casos, as gratuidades plenárias hão de repercutir profundamente em quem, justamente, não terá condições de suportá-la. Estranha política robinhoodiana que se exercita às avessas, tirando de modestos registros seus parcos recursos para distribuir entre ricos incorporadores e a Administração dadivosa que desperdiça recursos em projetos de cariz populista.

Tem-se notícia de que os delegados anoreguiribianos passaram o tríduo momístico debruçados sobre as tabelas de custas e emolumentos dos estados para afinal elaborar um guizado de cinzas que se mostrou indigesto para todos e especialmente para eles mesmos. Como dormir com este barulho?

Inconstituconalidades e o ronhoso preconceito ministerial

Espera-se que o enfrentamento não se dê pela propositura de atabalhoadas ADIs que a nau diábola sempre intenta para defender interesses cada vez mais parcelares e minguados, embora legítimos alguns deles, que há muito fendem a categoria e animam o ronhoso preconceito ministerial.

A questão da inconstitucionalidade da norma, evidente por si só e assim percebida por todos os que se debruçaram sobre o tema, colhendo a sucessão inacreditável de gratuidades plenárias, deve ser manejada com muita cautela. Afinal, há tempos sofremos com esta espécie de prejudicialidade presumida, que em alguns casos é desbragadamente declarada, proclamada, regurgitada e lançada à sociedade de informação a partir das tribunas magnas. A vociferação preconceituosa se irradia sem peias, nem culpas e  nem pruridos.

É necessário trazer o debate para os Estados – de onde nunca deveria ter saído.

Antes de se falar em inconstitucionalidades, melhor seria esgrimar argumentos centrados em conflito de leis – na especialização das normas emolumentares estaduais tratando das mesmas hipóteses versadas na lei federal que tem, como remarcado pela regulamentação constitucional, um sentido geral e supletivo.

Há de prevalecer a legislação estadual, que leva em consideração aspectos econômicos e sociais locais e que pode, por esta justa razão, dar o tratamento específico e singular às situações focadas.

Dado como suposta a ordem legal-constitucional, tem-se que há aparente antinomia entre uma norma federal que nos brinda regras gerais-específicas e a lei estadual que consagra regras específicas-específicas – i.e., votadas para os casos de habitação popular, incorporação social e outras flatulências politicamente corretas.

Não devemos enfrentar a escarrada inconstitucionalidade da lei. Devemos, isto sim, arrostar a antinomia legal verificada entre a lei estadual de emolumentos e o regramento federal, que se aplica supletivamente onde não haja lei estadual específica.

Neste diapasão, reconheçamos que o Estado de São Paulo tem norma singular, recentemente votada, que colhe os casos tratados pela Lei Federal. Esta não se deve impor sobre aquelas, consagradas segundo o rigoroso espartilho constitucional (CF > Lei 10.169 > Lei estadual).

Cartórios = enguiço e burocracia

Ao final e ao cabo ficamos, uma vez mais, com o ônus de suportar as políticas públicas, defendendo-nos das investidas populistas, criando obstáculos formais que reforçam a idéia de que os cartórios são um gigantesco enguiço burocrático a perturbar o pleno desenvolvimento dos negócios e a consumação de políticas públicas que atendem aos menos favorecidos.

Triste papel!

Enfim, vamos às nótulas (sem revisão ortográfica): Nota Técnica Programa “Minha Casa Minha Vida” – (ANOREG-BR).

Fonte: http://www.anoreg.org.br, Data de Publicação: 23.7.2009.

Pericumã e cadeia filiatória adulterina

labirintoA Folha de sábado sapeca na primeira página Sarney vendeu em 2002 terreno comprado de negociante morto. A reportagem se acha na folha A9, e para quem é assinante aqui.

Mas o que causa tanta perplexidade a Fernanda Odilla e Alan Gripp, repórteres da suscursal de BSB, é um fenômeno absolutamente corriqueiro nos cartórios brasileiros. Falo das cadeias sucessórias que se desenvolvem à margem do registro, consolidando a propriedade diretamente no elo final da corrente.

Estas cadeias filiatórias adulterinas, nascem do contubérnio entre o Registro e a realidade contratual. Vale dizer, são geradas na opacidade, na clandestinidade, se desenvolvem à margem de mecanismos de publicidade da contratação privada que, como se sabe, deveriam se constituir no índice mais confiável e seguro da situação jurídica dos bens imóveis de um dado país.

A publicidade registral é o mecanismo mais bem elaborado da engenharia econômica e jurídica que se acha a serviço do tráfico jurídico imobiliário. Dá previsibilidade aos contratantes ao assinalar quem é o verdadeiro e legítmo proprietário; indica a existência ou não de gravames que possam embaraçar a contratação ou degradar o valor do bem; constitui-se em perene registro das mutações jurídicas, permitindo o rastreamento das transações e municiando o Fisco com a arma da visibilidade; permite a gestão territorial, por proporcionar a informação da situação jurídica para os cadastros fundiários. Este poderoso mecanismo atende pelo nome de Cartório de Registro de Imóveis.

Mas o caso da Fazenda Pericumã no traz alguns elementos muito singulares. Vale a pena tentar montar o mosaico que a situação sugere.

Diz a Folha que parte do imóvel foi adquirido em 2001 por um preposto de Sarney de um alienante já falecido em 1996.

Este fato merece uma pequena investigação pois, não raro, os negócios são formalizados por compromissos de compra e venda e o vendedor, nestes casos, outorga a um mandante poderes para passar a escritura definitiva no caso de adimplemento das obrigações.

Pode ter ocorrido este fato. O notário, sem ter conhecimento do falecimento do alienante, de posse dos documentos preliminares, municiado de um mandato plenipotente e da quitação, lavra a escritura definitiva. Não é possível, nos moldes atuais dos Registros Públicos, a pesquisa em todos os cartórios de Registro Civil do país para apurar eventual óbito do mandante. A prova negativa é praticamente impossível nestes casos e representa verdadeiramente uma probatio diabolica.

Mas deixemos a questão em suspenso, à míngua de maiores informações. Será possível investigar a situação concreta compulsando os documentos, o que prometemos fazer em breve, já que se trata de documentos públicos.

A segunda questão diz respeito à eventual triangulação ocorrida entre o preposto do Presidente do Senado e a adquirente final, uma pessoa jurídica da qual o senador é sócio.

O caso é o seguinte. A (Tonho Melo) vende a B  (Wanderley, preposto) que, por seu turno, vende o imóvel à empresa C (Divitex). Ocorre que a reportagem diz que “em tese” a empresa havia adquirido o imóvel muito antes, diretamente de D (Sarney).

Aqui temos um problema. A situação relatada pela reportagem pressupõe a quebra da continuidade e a venda a non domino. O quadro de comproprietários não se fecha, pois D, no nosso exemplo, não poderia vender o que não era de seu domínio.

Diz a reportagem:

Todas as áreas foram incluídas por Sarney em um “compromisso de compra e venda” pelo qual ele negociou os 540 hectares do sítio Pericumã com a Divitex, empresa da qual é sócio. O negócio foi fechado por R$ 3 milhões em 2002.

Não sabemos se o compromisso de compra e venda referido foi registrado. Duvido, pois tal registro colocaria de fora a aquisição feita por B. Como apurado na reportagem anterior da própria Folha, o compromisso particular foi registrado num Registro de Títulos e Documentos, para conservação e perpetuidade.

Certamente não estamos diante de um registro feito no cartório competente. Aqui impera a dança das cadeiras registral – quem chega antes ocupa o posto – é o princípio da prioridade registral que comanda a dança excludente dos títulos contraditórios.

Para responder às questões e chegar a uma conclusão definitiva, mister saber quando foi celebrado o compromisso de compra e venda referido na reportagem e apurar se foi ou não registrado e em que ofício se inscreveu.

Teremos, então, o fio de Ariadne para chegarmos a uma resposta plausível. Até agora, lidamos com conjecturas.

Certo mesmo é o desserviço representado por esta praga chamada “contrato de gaveta”, que tanta confusão e insegurança jurídicas gera, com o decidido e interessado apoio de alguns setores da construção civil, que vêm na contratação sob biombos uma forma de “liberdade contratual”.

Volto ao assunto.