STF e as gratuidades plenárias

No post Gratuidades: a mágica rende boa literatura, não instituições sólidas aludi à pendenga judicial envolvendo a AGU – Advocacia-Geral da União e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Desbordando da esfera estadual, a AGU intentou, perante o Supremo Tribunal Federal, Ação Cível Originária (ACO 1646) figurando como réu o Estado do Rio de Janeiro.

Típica ação que busca garantir um direito (ou obrigação de caráter civil) ela se iniciou no Supremo buscando dirimir o litígio que se instaurou entre a União e Estado do Rio de Janeiro.

O problema central posto em discussão é a competência da União para legislar sobre custas e emolumentos.

A decisão denegatória dos efeitos de antecipação de tutela já traz, em juízo preliminar, perfeita intelecção do problema. O Ministro, com raro despojamento, reconhece que a medida representa verdadeira isenção heterônoma.

Assenta suas conclusões na posição consolidada do próprio STF no sentido de que as custas e emolumentos têm natureza tributária.

Diz o Ministro que a “Constituição de 1988 proíbe expressamente que um ente federado conceda exoneração, total ou parcial, de tributos cuja competência para instituição seja de outro ente federado (art. 151, III da Constituição). O obstáculo tem por objetivo proteger a ampla latitude da autonomia conferida a cada um dos entes, nos termos do pacto federativo, ao assegurar que as fontes de custeio constitucionalmente destinadas ao membro da Federação fiquem livres do arbítrio caprichoso da vontade política parcial de um de seus pares”.

Perfeito o argumento. Mas vai ainda além o Ministro:

Por outro lado, o apelo à competência da União para criar normas gerais em matéria de serviços notariais extrajudiciais é destituída de plausibilidade, por duas razões preponderantes. Inicialmente, as normas em discussão referem-se à instituição de tributos e do custeio propriamente dito dos serviços notariais, matéria que também é regulada pelos arts. 145, II e 151, III da Constituição, e não apenas do art. 236, § 2º da Constituição.

Ademais, a própria Constituição imuniza certos fatos contra a instituição e cobrança de custas judiciais e de emolumentos extrajudiciais (art. 5º, XXXIV e LXXVI, a b da Constituição). A exoneração potencialmente causa desequilíbrio entre as fontes de custeio e os custos da atividade judicial e notarial, de modo a impelir os entes federados a estabelecer “forma de compensação aos registradores civis das pessoas naturais pelos atos gratuitos, por eles praticados, conforme estabelecido em lei federal” (art. 8º da Lei 10.169/2000).

Dada a existência do dever de compensação proporcional à exoneração, o benefício estabelecido pela União tende a transferir aos estados-membros e ao Distrito Federal o custo da isenção conferida, colocando-os em delicada situação interna, considerados os anseios e pleitos dos delegados notariais que serão diretamente afetados pelas normas federais.

Não se desconhece que esse juízo preliminar possa ser modificado em face de fatos supervenientes ou mesmo pela confratação de argumentos divergentes de seus pares. Mas não deixa de ser bastante impressivo o fato de que o Sr. Ministro, com coragem e isenção, arrosta uma posição inflexível da administração que impôs a gratuidade pejada de boas intenções, mas descolada da realidade dos cartórios deste imenso país.

DECISÃO : De início, providencie a Secretaria a inclusão do Ministério Público Federal, representado pelo procurador-geral da República na autuação, para que possa exercer as funções que foram-lhe atribuídas pelo art. 5º, § 1º da Lei 7.347/1985

Trata-se, na origem, de ação civil pública, com pedido para antecipação dos efeitos da tutela, ajuizada pela União contra o Estado do Rio de Janeiro, para assegurar o direito difuso à correção e à higidez dos atos praticados pelos registros imobiliários do estado-réu.

Narra a parte-autora ter iniciado programa destinado à construção de moradias e à melhoria das condições habitacionais, nos termos da Lei 11.977/2009. Um dos instrumentos do referido programa é a exoneração escalonada ou integral das custas e dos emolumentos registrais normalmente devidos nas operações imobiliárias (arts. 42 e 43), cujo desrespeito acarreta punição ao oficial de registro insurgente (art. 44).

Contudo, a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro houve por bem reconhecer a inconstitucionalidade das normas de isenção (Aviso CGJ 84/2010 e Processo Administrativo 2009/077312).

Entende a parte-autora que a postura do estado-réu é inadmissível, pois:

a) Os descontos não se caracterizam como isenção heterônoma, dado que a União tem competência para criar normas gerais relativas aos serviços extrajudiciais e que beneficiem a população de baixa renda (art. 236, § 2º da Constituição);

b) Inexiste direito adquirido ao recebimento integral de custas e de emolumentos;

c) O órgão administrativo não teria competência para declarar a inconstitucionalidade de norma federal (Súmula Vinculante 10).

Para firmar o risco da demora se aguardada a resolução do mérito, diz temer que a imposição dos emolumentos como custo do programa habitacional incentivará a informalidade (“contratos de gaveta”) ou diminuirá o interesse das pessoas pela solução apresentada pela União.

Ante o exposto, pede-se que os efeitos da tutela sejam antecipados, para suspender a determinação contida no Aviso CGJ 84/2010, bem como para que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro seja obrigado a aplicar os arts. 42, 43 e 44 da Lei 11.977/2009.

Distribuída a ação no âmbito da Justiça Federal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, a antecipação dos efeitos da tutela foi indeferida (art. 1º, § 1º da Lei 8.437/1992 e art. 1º da Lei 9.494/1997 – fls. 220). Citado, o estado-réu apresentou contestação (Fls. 279-289).

A competência para conhecer originariamente do feito foi declinada a esta Corte (Fls. 292).

É o relatório.

Inicialmente, considero que a lide representa conflito federativo, na medida em que se discute imposição da União aos estados-membros e ao Distrito Federal capaz de, em tese, violar a competência tributária e de criar estado de desequilíbrio interno, considerada a transferência do custo pela exoneração aos entes federados periféricos (art. 102, I, f da Constituição).

Declinada a competência, surge novamente a necessidade de exame do pedido para antecipação dos efeitos da tutela.

Sem prejuízo de novo exame por ocasião do julgamento de mérito, considero ausentes os requisitos que ensejariam a concessão da antecipação de tutela pleiteada.

É pacífico nesta Corte que as custas e os emolumentos judiciais e extrajudiciais têm natureza tributária (cf., por todos, a ADI 3.089, red. p/ acórdão min. Joaquim Barbosa, DJe de 01.08.2008).

A Constituição de 1988 proíbe expressamente que um ente federado conceda exoneração, total ou parcial, de tributos cuja competência para instituição seja de outro ente federado (art. 151, III da Constituição). O obstáculo tem por objetivo proteger a ampla latitude da autonomia conferida a cada um dos entes, nos termos do pacto federativo, ao assegurar que as fontes de custeio constitucionalmente destinadas ao membro da Federação fiquem livres do arbítrio caprichoso da vontade política parcial de um de seus pares.

Em especial, a salvaguarda recebe maior prestígio quando se trata do impedimento imposto à União, ente federado que reconhecidamente conta com meios mais eficientes de pressão indireta para condicionar a conduta, as chamadas sanções políticas.

Assim, a exoneração escalonada ou integral posta nos arts. 43 e 44 da 11.977/2009 caracteriza-se como isenção heterônoma, proibida constitucionalmente, ao menos neste momento de juízo inicial.

Por outro lado, o apelo à competência da União para criar normas gerais em matéria de serviços notariais extrajudiciais é destituída de plausibilidade, por duas razões preponderantes. Inicialmente, as normas em discussão referem-se à instituição de tributos e do custeio propriamente dito dos serviços notariais, matéria que também é regulada pelos arts. 145, II e 151, III da Constituição, e não apenas do art. 236, § 2º da Constituição.

Ademais, a própria Constituição imuniza certos fatos contra a instituição e cobrança de custas judiciais e de emolumentos extrajudiciais (art. 5º, XXXIV e LXXVI, a e b da Constituição). A exoneração potencialmente causa desequilíbrio entre as fontes de custeio e os custos da atividade judicial e notarial, de modo a impelir os entes federados a estabelecer “forma de compensação aos registradores civis das pessoas naturais pelos atos gratuitos, por eles praticados, conforme estabelecido em lei federal” (art. 8º da Lei 10.169/2000).

Dada a existência do dever de compensação proporcional à exoneração, o benefício estabelecido pela União tende a transferir aos estados-membros e ao Distrito Federal o custo da isenção conferida, colocando-os em delicada situação interna, considerados os anseios e pleitos dos delegados notariais que serão diretamente afetados pelas normas federais.

Ante o exposto, indefiro o pedido para antecipação dos efeitos da tutela.

No prazo comum de cinco dias, digam as partes as provas que desejam produzir, de forma a especificar o respectivo objetivo e a pertinência ao desate da lide.

Comunique-se o teor desta decisão à Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Intimem-se. Publique-se.

Brasília, 14 de setembro de 2010.

Ministro JOAQUIM BARBOSA, Relator

 

3 comentários sobre “STF e as gratuidades plenárias

  1. Reconfortam-me decisões que-tais, já que, como registradora de um pequeno RCPN de uma cidade do interior do Rio de Janeiro (Valença), onde uma vil política implementada pela Defensoria Pública em conluio com a administração municipal, pretende que eu aceite, mansamente, realizar a totalidade de atos gratuitamente.

    Esquece, porém, a Defensoria Pública, que o cartório é privatizado e somente EU respondo pelas despesas da manutenção do serviço.

    Diante da minha indignação, venho sendo achacada por demandas indenizatórias, todas inauguradas pela Defensoria, que, por contar com a simpatia e a proximidade com o Juízo da região, acabam por ser julgadas procedentes, aumentando, assim, a INEFICIÊNCIA DO SERVIÇO.

    Situações em que a Defensoria patrocina comerciantes bem sucedidos e grandes proprietários já foi denunciada à Corregedoria daquele órgão, que, por estranhos motivos, não dá andamento à apuração das denúncias. E ainda, o Juízo encaminha notícia dessas demandas ao CNJ, o que poderá prejudicar a minha ficha funcional.

    Sinto-me desamparada e desesperada, pois não há como me defender dessa aviltante situação, não há nenhum órgão a quem possa me dirigir vindicando uma efetiva e justa proteção. Aliás, diante do meu desespero, imploro por qualquer ajuda ou idéia de onde possa buscar uma maior proteção aos meus interesses, já que há uma grande mística acerca da rentabilidade dos cartórios e um parcimonioso entendimento afeito às gratuidades, ambos estrábicos na realidade das incontáveis cidades do interior do Brasil.

  2. O caso da ACO 1646 tem por pano de fundo problema igual ao enfrentado pelos colegas que respondem a ADPF 194.

    Os julgamentos destas ações, espera-se, sejam no mesmo sentido e em conformidade com o texto constitucional em vigor.

    Com relação ao caso da Colega Marcia Fernandes, a única alternativa que me ocorre para tentar ajudar é lhe recomendar que tente a aplicação do art. 12 da Lei nº 1.060/50.

    Tiago Machado Burtet

  3. é indigno e vergonhoso ter que trabalhar de graça, leis são feitas por deputados e senadores despudorados que visam só os interesses próprios e o interesse do chefe ditador de plantão. O chefe com as gratuidades conseguiu o que queria, que era eleger sua indicada. Agora já estão brigando porque a indicada não quer , corretamente, ser subjugada pelo “chefe”. Nós pagamos toda a conta, como registradores. Sibélius, Igarapava-sp

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