
A Lei Estadual nº 11.331, de 26 de dezembro de 2002, prevê, em seu artigo 9º, o elenco de hipóteses de gratuidade nos emolumentos devidos pela prática de atos de registro:
Artigo 9º – São gratuitos:
I – os atos previstos em lei;
II – os atos praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo.
Afora a surpreendente e paradoxal afirmação legal de que são gratuitos “os atos previstos em lei”, o fato é que existe um elenco estrito e taxativo de hipóteses de concessão de gratuidades.
Nostalgicamente, o legislador estadual evoca o espírito da norma federal que consagrou a expressão “benefício da assistência judiciária”. Parte beneficiária da justiça gratuita era aquela prevista na Lei Federal 1.060/1950. E este diploma regulava e regula o benefício em lides, considerado em seu sentido estrito. Outra interpretação não se ajustará em face do disposto no art. 9º da mesma Lei 1.060/50, que estabelece que os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias. O escopo é marcado com precisão indubitável.
Evidentemente a norma não atinge os prestadores de serviço notarial e registral.
Para que as gratuidades percutissem na esfera extrajudicial, seria necessária expressa determinação judicial para a prática do ato, além, é claro, da concessão do benefício da assistência judiciária gratuita .
A Lei Federal 1.060/1950 merece acomodar-se no novo espartilho constitucional. O seu art. 3º dispõe:
Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções:
I – das taxas judiciárias e dos selos;
II – dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça;
III – das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais;
Não tem sentido, atualmente, falar-se em gratuidade de emolumentos devidos a juízes e órgãos do Ministério Público. Muito menos ainda terá sentido referir-se a isenção de taxas de “serventuários de Justiça”. Por uma razão muito simples: os serventuários da Justiça – hoje escrivães do foro judicial – não recebem emolumentos.
Muito menos rigorosa, ainda, será a exegese dilargada de hipótese estrita da lei – visando alcançar os Oficiais de Registro, delegatários de serviço público, equiparando-os, para fins de isenção, àqueles outros profissionais que realizam atividades próprias no bojo do processo judicial.
Se à época de Eurico Gaspar Dutra as atividades do foro judicial e extrajudicial se imiscuíam, com o Oficial do Registro atuando na escrivania do foro judicial – aninhados abaixo da expressão serventuários da justiça –, hoje as funções se especializaram e não há qualquer relação entre elas.
Por fim, parece ter-se dado uma espécie de repristinação da velhusca (e inconstitucional) Lei 1.060/51 com o advento da Lei Estadual 11.331, de 26 de dezembro de 2002. Ao referir-se a parte beneficiária da justiça gratuita, o legislador parece procurar, debalde, o contraponto e o repouso na lei federal. Mas não os encontrará, pois o espartilho constitucional desfigurou, para sempre, o perfil do serventuário de justiça.
Mas está é, sempre será, uma questão delicada. Está, sempre, a merecer uma ponderação serena e isenta.