CNJ, concursos, espelhos e grupelhos

Prometo deixar esse assunto de espelhos de lado. É que a representação corporativa, em certos aspectos, é tão abominável quanto os espelhos. Uma espécie de espelho deformado, é verdade, uma catóptrica da distorção. Arma-se como perfeito instrumento de reflexão dos anseios corporativos para logo se converter numa peça fechada sobre si mesma, amplificando e replicando uma falsa dimensão homóloga.

A questão dos concursos é um triste exemplo. O que têm sido feito pelas entidades de representação corporativa nota-registral? Em regra têm atacado os concursos baseadas num sem-número de questiúnculas irrelevantes. De outra banda se quedam inertes diante de iniciativas agressivas como o PEC 471/2005, do dep. João Campos. ###

Em relação à dita PEC 471, a Presidência da Câmara resolver criar Comissão Especial destinada a proferir parecer à proposta. Enquanto isso vamos assistindo a batalhas políticas em que se digladiam grupelhos organizados à margem da representação institucional, em face da estática interessada das entidades nota-registrais.

Por outro lado, o Conselho Nacional de Justiça se tem debruçado sobre o tema dos concursos – possivelmente motivado por provocação de algum grupo de pressão. Um outro grupo de pressão.

Nessa barbárie de guerra de todos contra todos parece ir surgindo, inesperadamente, por força de uma profunda tradição, a figura de um novo notário, de um novo registrador, de um renovado profissional da fé pública, um restaurado promotor da paz social.

Que venham!

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O Conselho Nacional de Justiça tomou três decisões importantes relacionadas ao funcionamento dos cartórios extrajudiciais no País. Os conselheiros deram prazo de 60 dias para que se realizem concursos para titulares de cartórios notariais e de registro civil no Espírito Santo e no Distrito Federal. E julgaram improcedente pedido para suspensão de concurso em andamento no Rio Grande do Sul. Estas decisões de juntam a outras já tomadas pelo Conselho, no mesmo sentido, em relação aos estados do Acre, Piauí e Pará.

As decisões têm origem em pedidos de providência encaminhados pelo conselheiro Alexandre de Moraes. Segundo a Constituição, o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos. Os cargos não podem ficar vagos e sem abertura de concurso de provimento ou de remoção por mais de seis meses. O assunto foi ainda regulamentado pela lei 8.935/94: “Extinta a delegação a notário ou a oficial de registro, a autoridade competente declarará vago o respectivo serviço, designará o substituto mais antigo para responder pelo expediente e abrirá concurso”.

Em alguns estados, porém, as vagas são preenchidas provisoriamente e os concursos não se realizam por períodos que chegam a mais de 30 anos. No Espírito Santo, foi publicado edital de concurso de remoção de títulos em outubro de 2005, que depois foi anulado, sob a alegação de existência de vícios. Na prática, o estado está há dez anos sem concurso. Do total de 334 cartórios, 151 (45%) estão vagos.

O relator do processo no CNJ, conselheiro Douglas Alencar Rodrigues, assinala em seu voto, acompanhado por unanimidade no Plenário do Conselho, que a principal irregularidade considerada para a anulação do edital de 2005 “pode ser facilmente suprida”. Trata-se da ausência de previsão da participação da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um representante de notários e de um representante de registradores. A falha, de acordo com o relator, não justifica “a inércia verificada na adoção das medidas administrativas correlatas”.

No Distrito Federal, existem quatro cartórios em estado de vacância, passíveis de preenchimento por concurso público. São o 1º Ofício de Notas de Brasília, 3º Ofício de Protesto de Títulos de Brasília, 7º Ofício de Notas de Samambaia e 9º Ofício de Notas e Protesto de Títulos do Gama. Em março de 2005, foi aprovada a realização de concurso para as serventias vagas, elegendo-se o Cespe-Unb para sua execução. A medida foi suspensa depois, em razão das suspeitas de fraudes em concursos promovidos pela instituição.

Em seu voto, também acompanhado por unanimidade no Plenário do CNJ, o conselheiro Douglas Alencar Rodrigues observa que “não há qualquer óbice para a realização de concurso” para provimento das vagas. E dá o mesmo prazo de 60 dias para sua realização.

O caso do Rio Grande do Sul tinha como relator o conselheiro Eduardo Lorenzoni. Lá, duas tabeliãs designadas e uma oficial substituta tentavam suspender um concurso em andamento e proibir que fossem delegadas quaisquer serventias aos classificados. O conselheiro Lorenzoni, igualmente acompanhado por unanimidade, indeferiu o pedido. “Não vislumbro no caso a presença dos requisitos para o deferimento da tutela requerida”, conclui em seu voto. As decisões foram tomadas pelo Plenário do CNJ em sessão extraordinária na última terça-feira (CNJ, notícias, 08/08).

2 comentários sobre “CNJ, concursos, espelhos e grupelhos

  1. Sérgio, o tema dos concursos é importantíssimo! Penso que será muito interessante debatê-lo no blog, colhendo opiniões e informações que serão úteis para a formação de convicções sobre o assunto. A discussão passa por quem deve realizar os concursos; quem deve expedir os atos de delegação; qual a forma devem ter os concursos; o que tem levado unidades da federação à omissão, sem obedecer o comando constitucional; porque os concursos sofrem tantos ataques; quais os interesses por trás dos ataques; qual a fundamentação das decisões que anularam delegações e excluíram serventias dos certames; e, quanto aos registradores e tabeliães, qual seu papel nos concursos. Lamentavelmente, temos visto que na maior parte dos casos são meros chanceladores das determinações das Corregedorias, acreditando que estar nas comissões de concurso permite uma aproximação do Judiciário interessante para a atividade, afastando-se da real função que devem exercer. O papel dos titulares nas comissões deve ser de real participação, com o escopo de permitir o acesso democrático à atividade, em concursos marcados pela lisura e obediência à legalidade. Não é favor integrarem as comissões. Quanto às entidades de representação corporativa, vale a sua crítica, por vezes atacam os concursos por “questiúnculas irrelevantes”. O que as move? Teriam algum interesse nas “questiúnculas” ou o interesse seria outro? É preciso tocar a ferida, doa a quem doer, ou não alcançaremos o que pretendeu o constituinte de 88. A discussão efetiva certamente causará alguns desconfortos, mas é indispensável. O ponto principal: a função é PÚBLICA, o interesse público deve prevalecer, e assim devem os titulares e suas entidades de representação corportativa verem a questão dos concursos – não defendem interesses privados.

  2. Caro amigo Sergio e chara Eduardo.

    Algo que gostaria de ver esclarecido são os motivos que levaram a impugnação da Lei Paulista de Concursos.

    Algo que sempre se pleiteou, concursos fundados na Lei do Estado que cria a Delegação, estaria por acontecer, mas apesar da manifestação de neutralidade da ANOREG, foi criada nova associação com fim específico de atacar a Lei dos concursos.

    Qual seria o problema de destinar-se 70% das questões apenas sob o ponto de vista prático??

    Do que interessa 100% de teoria e 0% de prática??

    Se até a magistratura já exige 3 anos de prática forense para admitir alguém como Juiz de Direito, qual o motivo de não exigir-se também para o notário efetivo exercício de atividade jurídica que lhe dê conhecimento suficiente para ter aprendido a prática do dia-a-dia de um tabelionato de notas e de um registro de imóveis?

    Existem soluções que não estão na teoria, estão na prática diária da delegação. No ouvir das queixas das partes, na orientação dos leigos para permitir a regularização dos seus títulos de propriedade antigos e ruins, no aprendizado de negar vantagens ao que detém o poder economico, fazendo-os trilhar os mesmos caminhos dos demais cidadãos. Tanto se fala em isonomia nos concursos. O que faria ser diferente no dia-a-dia das Serventias.

    Muitos discutem o fim do exame oral, por ser ele tão subjetivo. Outros entendem que o exame oral deve continuar (no que compartilho a idéia) para ter certeza de que se o candidato aprovado for colocado sob forte pressão terá condições emocionais para resolver o problema, sem ter de deixar a parte sem soluções ou perder o equilibrio emocial e colocar toda a categoria em situação vexatória.

    Realmente, gostaria de saber o que ouve com a Lei de São Paulo e, principalmente, qual o motivo que levou o CNJ a tomar providências para os concursos dentro de 60 dias.

    Do jeito que está, logo teremos vários concursos ocorrendo quase que concomitantemente e sob regras totalmente diferentes (no que diz respeito às questões regionais).

    Finalmente, alguém sabe como ficará a situação do Estado da Bahia?? Este Estado é tão problemático e cheio de questões políticas que pode ser necessária uma força tarefa para antes criar o sistema registrário como conhecido no Estado de São Paulo.

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