Proteção de dados e os Registros Públicos

LGPDP e os Registros Públicos em debate na Escola Paulista da Magistratura

Entre os dias 2 e 3 de setembro será promovido na EPM o seminário A Lei Geral de Proteção de Dados em debateproteção de dados e os Registros Públicos, com o apoio do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) e da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais de São Paulo (Arpen-SP).

A registradora portuguesa Madalena Teixeira, membro do IRN – Instituto dos Registros e do Notariado de Portugal e o CeNoR – Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra, será uma das palestrantes e nos concedeu uma entrevista em que nos antecipa o foco nos temas que abordará em sua visita a São Paulo. Confira as respostas. Abaixo, informações para inscrição no evento. (Sérgio Jacomino).

SJ: Como os registradores portugueses receberam o Regulamento e quais foram as contribuições por eles dadas para a aplicação das regras em Portugal?

MT: Para os registradores portugueses, o RGPD não implicou uma alteração comportamental significativa na medida em que já existiam uma Lei de Proteção de Dados Pessoais (Lei n.º 67/98, de 26 de outubro) e uma regulamentação das bases de dados do registo predial (vertida no Código do Registo Predial desde 1999), acolhendo os princípios fundamentais neste domínio, designadamente o princípio da finalidade e o princípio da proporcionalidade. Com a entrada em vigor do RGPD, a prática nos serviços de registo manteve-se, pois, orientada pelos mesmos princípios (o da finalidade e o da proporcionalidade) e pelo mesmo critério ou limite na divulgação da informação: a publicidade da situação jurídica dos prédios. Ainda assim, o RGPD não deixou de reforçar a necessidade de uma consciencialização mais fina do direito à proteção dos dados pessoais e do correspondente dever de reserva por parte dos serviços de registo, designadamente, em face dos riscos de uso ilegítimo e de desvio de finalidade potenciados pelos meios tecnológicos, que, consabidamente, podem degradar ou enfraquecer aquele direito.

Continuar lendo

SINTER – nótulas insones

O texto abaixo, com pequenas e irrelevantes alterações, foi encaminhado à Diretoria Executiva e aos Conselhos do IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil.

Resolvi divulgá-lo aqui para expressar (e registrar) minha discordância pessoal acerca do encaminhamento, no seio de nossa corporação, do tormentoso tema do SINTER (Decreto 8.764/2016).

Torna-se imperioso destacar, à guisa de advertência preliminar, que não sou contrário à colaboração com a administração pública na busca incessante do aperfeiçoamento do serviço público. A tomada de posição aqui manifestada busca reencaminhar o debate para os estritos limites da lei, consciente de que deve imperar o princípio de legalidade na atuação tanto dos registradores imobiliários, quanto da própria administração.

Continuar lendo

Carlos Petelinkar – registrador de imagens

SE O IRIB pode ser lido nas obras do safE, será pelas lentes desse grande fotógrafo que a sua gente passou – transitou elegante, veemente, envergonhada, jubilosa, alegre, triste…

Rostos, gestos, cerimônias, eventos, tudo passa, o tempo nos envolve na sua dança cósmica. Mas as imagens ficam como monumento das efemérides que marcam os anos de uma instituição tão importante como o Registro de Imóveis brasileiro.

Carlos Alberto Petelinkar, desde 1996 registrando imagens. Um grande registrador. Registrador de Imagens.

O sentido e a direção – a charada do registrador

Um homem, após ultrapassar certas etapas de sua vida, começa a refletir e se pergunta: o que temos feito até aqui? De onde viemos? Qual o caminho percorrido? Para aonde vamos?

Às vezes, o simples exercício de formular perguntas singelas como essas pode desvelar uma inesperada e complexa perspectiva das coisas e dos fatos que nos cercam no dia a dia.

Assim, esse homem pode descobrir que as ruas de seu bairro, por onde sempre caminhou distraído, já não lhe parecem familiares. Experimenta um estranhamento. Uma árvore florida, um poste caído na esquina do cruzamento onde havia um jardim, tudo isso se lhe afigura novo, inédito. O nome daquele logradouro se fez incógnito, vê um semáforo fincado no eixo de uma avenida e deixa-se levar pelas cores cambiantes. Por alguns segundos, perde o senso de direção. Olha ao redor e vê o cão pedrês que lhe abana o rabo, o mesmo velho vira-lata de sempre. Mas o animal está estranhamente diferente. Não era menor a sua cauda? O vizinho acena e abre um largo sorriso, mas qual é mesmo o seu nome? Será a mesma pessoa?

Continuar lendo

Espiritualidade e as novas tecnologias

Aldous Huxley by Fabrizio Cassetta

Aldous Huxley sempre me surpreende. O admirável mundo novo se assenta sobre a ideia da servidão voluntária. Como o Estado despótico a obtém dos súditos? Por meio de sexo, drogas e música eletrônica.

Em 1946 ele dizia: “Dentro de alguns anos, sem dúvida, passar-se-ão licenças de casamento como se passam licenças de cães, válidas para um período de doze meses, sem nenhum regulamento que proíba a troca do cão ou a posse de mais de um animal de cada vez. À medida que a liberdade econômica e política diminui, a liberdade sexual tem tendência para aumentar, como compensação”. E arremata: “juntamente com a liberdade de sonhar em pleno dia sob a influência de drogas, do cinema e da rádio, ela contribuirá para reconciliar seus súditos com a servidão que lhes é destinada”.

A “cerimônia da solidariedade” (Cap. V) é uma paródia de uma liturgia cristã. Como uma espécie de simulacro, Huxley cria uma ambiência numinosa a partir de um ritual decalcado do rito eucarístico. Conduzidos por Morgana Rothschild (note o nome), os 12 partícipes (olhe o número) são embalados por drogas, sexo, música, inspirados por um ente assustador que se não revela inteiramente no livro, mas está presente na orgia-folia (orgy-porgy):

Ford and fun
Kiss the girls and make them One.
Boys at 0ne with girls at peace;
Orgy-porgy gives release.
Kiss the girls and make them One.
Boys at 0ne with girls at peace;
Orgy-porgy gives release”.

O livro é revelador do declínio da espiritualidade ocidental que se rende a simulacros e à satisfação de prazeres sensoriais.

É possível empreender uma leitura iniciática desse livro. Resta-nos lamentar que Huxley termine a obra sem nos dar ou revelar alternativas. Entre a loucura hipermaterialista do mundo tecnológico e a vida tisnada pela dor e sofrimento, não há mais nada, nonadas, quando sabemos que há, certamente, um infinito e além.

Este pequeno texto foi originalmente postado noutra parte em 10/5/2016. Hoje lembrei-me dele por conta de um encontro em que se discutiu o impacto de novas tecnologias na sociedade. Fica aqui a lembrança, certo de que o tema poderia render uma nova rodada de discussões, agora com o ajuste do foco que, a meu sentir, deveria ser a espiritualidade e as novas tecnologias. (SJ)

O registro lavrado na areia – a propriedade que se desmancha no ar

José de Anchieta

Ruy Castro, em sua coluna de 29/4/2019 na FSP, dedicou-se a um fenômeno que nos interessa de perto. Eis o título: “A parte engoliu o todo – o Brasil de que a Muzema fazia parte é hoje um quisto dentro de uma grande Muzema”. Citando Jorge Pontes, diz: “não há uma fraude no Brasil. Há um país dentro de uma fraude”.  Extraio do supracitado artigo:

“engana-se quem pensar que ali é terra de ninguém, onde qualquer um pode chegar e erguer sua casinha. Cada centímetro já foi mapeado por alguém que chegou primeiro, fincou seu marco e criou sua versão de um mercado imobiliário, com entrada, prestações e parcelas intermediárias. Há valores diferentes em função da localização e de quantos andares”.

Que país é este que “cresce à margem das estradas, das vias expressas e das lagoas, sobe pelas encostas ou se espalha pelas periferias das cidades”?

Este é um fenômeno que passa ao largo do Registro de Imóveis brasileiro. Faltou Ruy Castro dizer: “…fincou seu marco e criou sua versão de um mercado imobiliário” e instituiu cartórios à margem do sistema legal e institucional.

O excessivo paternalismo estatal, que tolera a informalidade e promove a regularização do que é irreversivelmente irregular, aliado ao oportunismo daqueles que registram na areia os direitos, todos têm culpa no cartório.

Impossível deixar de me lembrar de José de Anchieta que escreveu na areia da praia o poema à Virgem (De compassione et planctu virginis in morte filii). Quantas vezes ainda teremos que gravar na areia o direito daqueles que nascem, crescem e morrem na informalidade?

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2019/04/a-parte-engoliu-o-todo.shtml [mirror].

Dados registrais digitais e o seu uso indevido

Os dados digitais dos Registro de Imóveis brasileiro são protegidos pela legislação de proteção de dados pessoais? Os dados do registro de imóveis são negociáveis? Qual o valor desse ativo?

São perguntas sobre as quais o NEAR_lab do IRIB (Laboratório de Estudos Avançados de Registro de Imóveis eletrônico) vai se debruçar na busca de uma senda segura para lidar com um tema novo e de grande interesse.

O NEAR_lab é o think tank do Registro de Imóveis brasileiro. Coordenado pela engenheira Adriana P. Unger (POLI-USP) visa a atrair os maiores especialistas nas áreas de direito e tecnologia da informação para formular propostas, discutir ideias, buscar soluções nas áreas conexas e de interesse do Registro de Imóveis.

Continuar lendo

Registro de Imóveis eletrônico – perspectivas e desafios

Antônio Carlos Alves Braga Jr. (Foto: Carlos Petelinkar, 16/5/2018).

ONR – Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis.  Antonio Carlos Alves Braga Junior [1]

O sistema de registro de imóveis brasileiro está sedimentado em longa tradição europeia. O serviço de registro, prestado por meio de delegações previstas no art. 236 [2], da Constituição Federal, garante segurança aos negócios jurídicos e facilita a investigação da situação jurídica do imóvel. Basta comparar com o tão lembrado sistema norte americano, onde “não existem cartórios”.

Nos EUA não há cartórios

Lá, de fato, não há tabeliães, registro ou registradores. Advogados, com licença específica, formalizam os negócios imobiliários. Tal atividade impõe corresponsabilidade do advogado pela legalidade da negociação. Para se prevenirem de grandes reparações pecuniárias, estão sempre presentes vultosos contratos de seguro, como é próprio da cultura americana.

Como não há cartório, a apuração da situação jurídica do imóvel demanda uma investigação, que pode custar milhares de dólares. Muitas críticas são feitas sem conhecimento de que o sistema registral brasileiro em muito se assemelha ao da grande maioria dos países civilizados, de quem os Estados Unidos são uma notável exceção.

Sem os registros e sem as pesadas implicações pecuniárias do sistema americano, qualquer país se transforma num mar de insegurança e danos. O brasileiro colhe muitas vantagens de nossa sistemática, sem se dar conta. Acha caros os custos do registro, mas tem no registrador (e eventualmente no tabelião) um garantidor da legalidade e confiabilidade do negócio que está celebrando.

A cada delegação do serviço corresponde uma delimitação territorial. O serviço é pulverizado pelo território do país, em verdadeiras ilhas. Diante da transformação digital por que passa a sociedade humana, essa conformação não mais é aceitável.

Continuar lendo