A SERPENTINA REGISTRAL (aka Reforma Curupira)

As bolhas da modernidade

Estive no domingo na Avenida São Luís, no espaçoso apartamento do Edifício Louvre, e eis que encontro o Dr. Ermitânio Prado inesperadamente tranquilo. Abriu a porta, e foi logo dizendo “…salut! Bonjour! Ça va?“.

Quando cumprimenta em francês (e não resmunga algo num alemão ininteligível) é sinal de que está de bom humor e disposto a conversar.

Disse-me que tem passado os seus dias de pandemia ouvindo a série de Trouvere Medieval Ministries. Tem podido sair de casa e caminhar pelas redondezas, como faz pelas manhãs, evitando os “miasmas do Baixo Augusta, infestado de ratos, putas e miseráveis tragados pela droga”, como diz quando está enfurecido.

Serve uma dose de Camus Cognac Cuvée e se põe a ouvir atentamente o que lhe digo. Depois de um tempo, cruza as pernas tranquilamente, lança um olhar cansado pela janela e fala como se encarnasse um personagem de O Rei da Vela:

– “O rosto impávido mira um futuro certo, escriba; mas, pasme!, os pés apontam para trás. A geleia-geral dessa modernidade curupira inaugura o monumento no Planalto Central do país. [cantarola] Viva a Bossa, sa, sa / Viva a Palhoça, ça, ça, ça, ça…”. E ri… “Querido Cartaphilus! O chato-boy crê no único que pode ver e, que incrível! vê tudo moderno. [Cantarola] o monumento é bem moderno. É de papel crepom e prata.

Rimos da representação afetada e algo ridícula, imitando o homúnculo do Le Grand Magic Circus de Jérôme Savary. Toma um trago e resmunga: “Tristes Trópicos, Registrador, tristes tropicalistas.”

Ficamos os dois em silêncio. Penso que compreendo a canseira imensa em face das intentonas modernosas da nouvelle vague registral que se desveste da tradição, sem lenço nem documento

Ele sabe, eu sei, alguns já sabem: rondam grandes aflições no quintal. Porém, a Europa ensaia uma guerra, a sociedade acha-se metida de patas numa realidade mais distópica do que aquela que se vê nos cenários do Neuromancer, de Gibson, ou na ficção de P. K. Dick… Sexo, drogas, tecnologia, hipermaterialismo, transumanismo…

– “Huxley anteviu, H. G. Wells relatou”, disse, lançando um olhar melancólico ao pardo céu paulistano.

Novo silêncio. Quando ele se voltou, disse-lhe que estava estudando a teoria dos sistemas de informação e cotejando – se é que isso é possível – os dois “sistemas” que disputam as atenções neste exato momento – o SREI e o SERP.

O sistema centralizado de gestão e trânsito de dados registrais (SERP) revela seus objetivos claramente no art. 3º da MP 1.085/2021. Disse-lhe que este sistema parece-me, em essência, mais do que um simples hub, pois promove não só o trânsito de dados, mas produz, combina e irradia informação juridicamente transcendente à sociedade.

Disse-lhe que dados não são informação e que esta não é proclamação jurídica de situações jurídicas com transcendência real. A publicidade registral é inovadora da ordem jurídica estática… O trato sucessivo que se produz…

Ele me interrompe. Dispara, provavelmente se referindo à blockchain:

– Posta nos escaninhos etéricos, essa outra serpe, que se precipita em redes rizomáticas de elétrons, há de aninhar cada bloco feito ovo viperino no uterus de silício! Eis a recidiva da conhecida sedução preternatural.

Não entendo o que diz. Tento retomar. “A publicidade decorre de uma atividade pessoal, Dr. Prado, expressão de um jurista especializado”, enfatizo. “Ele proclama uma jurisdição voluntária. Um humano, Dr. Ermitânio! um ser humano dinamiza o trato e dá vida aos negócios”, digo quase em desespero.

Nova pausa. Novo trago. A mim causa perplexidade que se possa atribuir a um “sistema” faculdades, poderes e atribuições que são próprias, singulares, especializadas e trespassadas, pela via constitucional da delegação, a registradores singulares. O mister jurídico próprio do oficial não se compagina com as atividades desempenhadas por um “sistema” eletrônico de informações centralizadas.

Os instrumentos e ferramentas tecnológicos que são postos a serviço de juristas, em apoio às suas atividades de registração, não podem chegar a substituir esses profissionais do direito e transcender o seu mister registral.

Não sou ludita, nem ingênuo, disse. Esta mutação paradigmática que se avizinha há de ser bem compreendida e debatida por nossa comunidade de juristas – antes que avancemos nesta twilight zone das novas tecnologias aplicadas a atividades eminentemente jurídicas…

Ele me interrompe, pigarreando:

– “Serp, a velha serpe, serpente do pensamento que mente”. E cita alguma passagem obscura: “o diabólico chicote de víboras das ideias”…

Fecha lentamente os olhos e se deixa levar e lavar por dentro.

Quando me dou conta, ele já está com os olhos postos em mim, observando minha reação. E volta a recitar:

“SERPENT: PENSER
PRESENT: SERPENT” (A.C).

Achei linda a declamação, mas não a compreendi de imediato. Vim a saber depois que citava Augusto de Campos a propósito de sua tradução de Paul Valéry.

Disse AUGUSTO DE CAMPOS, na introdução da sua belíssima tradução: ao “mirar para a própria cauda em direção ao passado, dentro de uma curva de movimento contrário; logo abaixo, o desenho de uma serpente que olha para trás, para a sua cauda, com a seguinte legenda: ‘Como? Isto também sou eu?’ Não seria lícito vê-la – à palavra present -, em tal contexto, como um anagrama de serpent?”. Daí a construção do lindo ideograma reproduzido logo acima.

Saí do apartamento estranhamente aliviado. De alguma forma, se insinuou em minha mente a ideia de que a serpente, de repente, faz-se tempo presente quando se depara com a própria cauda. Então, pensei: “bem, é hora de conter o que me contém”. E deixei-me estar em silêncio, respirando tranquila e pausadamente.

(Madrugada de 8/3/2022, Flavum Domus).

MRIB – Memorial do Registro Imobiliário Brasileiro

Apresentação

Esta página dá início ao Projeto Memorial do Registro de Imóveis brasileiro, criada para fins de produzir conteúdo museológico digital relativo ao Registro de Imóveis brasileiro.

No último dia 3/3/2022 foi publicada a Portaria 19, de 25/2/2022 [mirror] designando os membros da Comissão Permanente de Gestão Documental, Preservação Digital e Memória no âmbito do Foro Extrajudicial (CGDEX). Entre os membros, tenho a honra de figurar, representando os registradores brasileiros. A portaria dá início ao Projeto indicado na Portaria CN-CNJ 12, de 10/2/2022, que instituiu a CGDEX [mirror].

Neste ano de 2022 completam-se 50 anos de fundação do CINDER – Centro Internacional de Direito Registral, ocorrida na cidade de Buenos Aires, Argentina.

O IRIB, por seus representantes (especialmente o Dr. ELVINO SILVA FILHO) teve um papel destacado na representação do Brasil, redigindo, inclusive, importantes conclusões naquele pioneiro encontro.

O leitor poderá consultar periodicamente os dados aqui reunidos acessando a Categoria IPRA-CINDER.

Um nótula de agradecimento cabe ser feita em homenagem à memória do registrador ANTÔNIO CARLOS CARVALHAES, que antes de falecer, no dia 31/1/2022, doou para mim o seu acervo de fotos. Posteriormente, seus sucessores fizeram chegar às minhas mãos o material que diligentemente preservou para a memória dos pósteros inúmeros documentos acerca de encontros nacionais e internacionais do Registro de Imóveis brasileiro. Parte desse rico material o leitor verá por aqui e nas páginas do IRIBA.ACADEMIA, mercê do apoio que nos foi dado pelo Presidente JORDAN FABRÍCIO MARTINS .

Quero manifestar meus agradecimentos ao Sr. Secretário-Geral do IPRA-CINDER, Don ALFONSO CANDAU o acolhimento de nossas ideias de participar com documentos e dados sobre a construção do documentário que se se fará sobre os 50 de fundação do IPRA-CINDER.

SÉRGIO JACOMINO, Curador.

A MP 1.085/21 e os prazos no Registro de Imóveis

A redação da MP 1.085/21 é bastante confusa e mesmo defectiva em vários pontos. Por dever de ofício, os registradores devem buscar haurir da reforma um sentido de sistema que o exegeta lamentavelmente não encontra. Entretanto, isso não nos escusa de buscar o melhor sentido que a Medida pode revelar. Afinal, “cumpre atribuir ao texto um sentido tal que resulte haver a lei regulado a espécie a favor e não em prejuízo de quem ela evidentemente visa a proteger”1.

Nesta primeira nótula de estudos, buscamos compreender o que nos revela a lei na combinação dos artigos 9º, 188, 205 e 206-A da Lei de Registros Públicos, todos alterados pela recente Medida Provisória 1.085/21.

Vamos nos achegar a eles com alguma reflexão vestibular.

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CNJ visita o Bairro Pinheiro em Maceió

No dia 13 de dezembro de 2021, uma comissão da Corregedoria Nacional de Justiça, presidida pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, visitou os bairros atingidos por um fenômeno geológico inédito que ocorre em Maceió, Alagoas.

A comissão constatou in loco a situação dramática dos moradores de quatro bairros de Maceió que foram retirados de suas casas em virtude do afundamento gradual da superfície em razão da extração de sal-gema realizada no subsolo da capital alagoana.

Tremores de terra, abalos, rachaduras… A população abandonou suas casas, deixando histórias de vida, de alegrias, de tristezas e um pedido de socorro inscrito nas paredes de casas humildes. São como mensagens na garrafa que um dia a terra há de tragar. No coração dos sais interiores será inscrito um capítulo triste da história destes homens

Hoje chove em Maceió. Muita chuva, são como lágrimas que caem sobre os telhados rotos e corrompidos. Parafraseando Pessoa, perguntamos: e este sal? Quanto desta gema não serão as lagrimas de brasileiros humildes e trabalhadores?

Há solução para essas famílias? É possível a regularização fundiária das áreas atingidas e ocupadas? Os acordos que foram feitos são justos? O que fazer com esta imensa área que afunda sobre si mesma?

São perguntas em busca de boas respostas.

Indisponibilidade de Bens: entre o Direito, a Política e a Economia

Celso Fernandes Campilongo*

O número de escândalos, golpes e desvios de recursos públicos praticados por políticos – de todas as esferas administrativas e partidos – é mais do que conhecido. As soluções supostamente redentoras também: “Operação Mãos Limpas”, “Lava Jato” e congêneres mundo afora. Nem as ilicitudes atreladas às bandalheiras dão tréguas, nem as ferramentas do Direito parecem detê-las. Parafraseando Mário de Andrade, no país de Macunaíma, dentre tantas mazelas, “Pouca Justiça e muita corrupção, os males do Brasil são”!

Na busca por instrumentos mais eficientes no enfrentamento dos problemas, a ordem jurídica constrói mecanismos que preservem o patrimônio público, inibam a bandidagem e restaurem a confiança nas instituições. Dentre eles, sem dúvida alguma, a decretação de “indisponibilidade de bens” avulta de importância. Aparentemente célere, liminar e poderosa, satisfaz a sede por mais Justiça e menos corrupção. Também é “vingativa”: regenera e revigora, tempestivamente, a sociedade dos “bons” diante dos “malfeitores”. Tudo muito maniqueísta e simplório para funcionar sem abusos, distorções e perversidades.

A força do Direito não reside no uso indiscriminado dos meios coercitivos. É antes o inverso: deve ter dosagem adequada e ser fruto da prudência, ponderação e técnica do aplicador do Direito, sob pena de desencadear efeitos perversos, não previstos e contrários aos objetivos do sistema jurídico.

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RIP Doing Business

RIP Doing Business
Benito Arruñada[1]

Benito Arruñada escreve sobre o cancelamento do Doing Business, o grande projeto de medição das regulamentações empresariais lançado pelo Banco Mundial em 2003. Uma versão abreviada do texto foi publicada anteriormente em Voz Populi, em 19 de setembro de 2021[2].

Esta tradução, revista e aprovada pelo autor, é dirigida especialmente aos registradores brasileiros que buscam modernizar os processos de registro e o aperfeiçoamento das instituições jurídicas e econômicas (Sérgio Jacomino).

Na última quinta-feira, 16 de setembro, o Banco Mundial anunciou o encerramento definitivo do que foi, havia anos, seu projeto mais importante:  os indicadores Doing Business, concebidos para “medir objetivamente as regulamentações econômicas e sua aplicação em 190 países” (World Bank, 2021). Seu design errôneo, aliado à corrupção sistemática, e a sobrevivência do modelo ao longo de tantos anos, apesar das críticas que lhe endereçávamos, diz muito sobre o fracasso das organizações internacionais: à época criadas para apoiar o desenvolvimento, hoje servem tão-somente aos interesses de seus atuais burocratas e futuros consultores.

Com o Doing Business, o Banco Mundial dilapidou uma excelente oportunidade para avançar na medição das instituições. No entanto, seu cancelamento é uma boa notícia porque, como venho argumentando em uma série de artigos e publicações desde 2007, em muitos países sua influência no desenvolvimento institucional acabou sendo ruinosa (Arruñada, 2007, 2009).

Os erros eram visíveis desde o princípio – tanto no plano metodológico quanto no organizativo.

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O CNJ, o ONR, o SREI e as Centrais de Cartórios

De uns tempos a esta banda, temos visto o surgimento de artigos veiculados em jornais, sites e periódicos que vêm a lume criticando as iniciativas do CNJ acerca do ONR e do SREI. São textos bem escritos, embalados por um irresistível bom-mocismo, urdido, quase sempre, por uma narrativa sedutora e que se fundamenta em princípios e valores que ninguém ousará afrontar.

Entretanto, vistos atentamente, os textos acabam por inocular na  opinião pública o germe da confusão, da insegurança, e, ao final e ao cabo, a verdade é que estamos diante de mera desinformação.

O texto veiculado na edição da Folha de São Paulo de 11 de agosto, assinado por Rafael Valim e Antônio Corrêa de Lacerda – “As centrais de cartórios e os falsos liberais” –, é um típico exemplo desse fenômeno[1].

Constranjo-me por iniciar reconhecendo que este texto lhe parecerá, caro leitor, um esforço ocioso de reiteração do que é um verdadeiro truísmo. Paciência, vamos lá!

A Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, ao lado dos órgãos correcionais dos Tribunais de Justiça dos Estados, tem a atribuição legal e constitucional de regular e fiscalizar os cartórios brasileiros e tem cumprido essa nobre missão sem consentir com os desvios indicados na dita matéria. Não é difícil provar o que afirmamos.

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Edmundo Rojas García

Edmundo Rojas e SJ. Viña Del Mar, 20 de maio de 2006

Edmundo partiu. Registradores de todo o mundo pranteiam o seu passamento

Conheci o querido Edmundo Rojas García em 2006, em Santiago do Chile. Ou foi muito antes? Terá sido no XIII Congresso Internacional de Direito Registral realizado em 2001 no Uruguai? Ou no certame seguinte, em Moscou? Já não me lembro. Mas, afinal, o que importa?

O que sei é que Edmundo Rojas sempre esteve entre nós. Era uma presença constante, inspiradora. Esteve à frente do seu Ofício Predial de 1983 até o derradeiro dia. Foi, como se diz no Chile, Conservador de Bienes Raíces, Registro de Hipotecas y Gravámenes. Foi um homem além de seu tempo, como tive ocasião de dizer acerca do nosso Elvino. Ambos eram, de certo modo, parecidos na visão profética que tinham a respeito das grandes mudanças representadas pelo impacto de novas tecnologias no sistema registral. Foram, como disse Ezra Pound a respeito dos poetas, as “antenas da corporação”, captaram o sentido das mudanças e puderam dar ao sistema um impulso inicial que se mostrou fundamental no processo de transformações que ainda experimentamos.

Lembro-me agora de que talvez o tenha conhecido “por escrito”. Quando estava em Franca, isso lá pelos idos de 1994, 1995, via na internet as grandes transformações por que passavam os registros chilenos. Logo busquei informar-me e estabeleci uma interlocução com os nossos colegas que se manteria ao longo das décadas seguintes. Lembro-me de vários deles, especialmente de Elías Mohor, que esteve conosco em várias jornadas registrais e foi uma ponte que nos manteve em contato com os notários e registradores chilenos.

Tivemos a honra de privar alguns momentos de perfeito entendimento. Sempre houve entre nós, os chilenos e os espanhóis, uma certa identidade e solidariedade por termos em nossos países um regime jurídico muito semelhante. Estivemos muitas vezes em Santiago, visitando os nossos colegas registradores e sempre fomos recebidos de maneira magnífica. O povo chileno é encantador e os nossos colegas sempre honraram a tradição dessa nação gentil e acolhedora.

Edmundo partiu. Com ele se despede uma fração essencial do corpo de registradores do mundo. Leva, querido Edmundo, um forte abraço e o agradecimento de toda uma geração de registradores pela obra que certamente nos dará belos frutos.

Há tantas outras histórias que poderiam ser contadas… Deus meu! Quem nos lerá nestes tempos ligeiros? Deixemos ao menos registrado nos anais do IRIB a mensagem que nos legou Edmundo. Ela é eloquente. É um testamento moral para todos os registradores – brasileiros, chilenos, espanhóis e de todo o mundo (Sérgio Jacomino).

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Flauzilino e Manuel

Eis aqui dois ícones do Registro de Imóveis brasileiro.

Flauzilino Araújo dos Santos e Manuel Valente Figueiredo Neto – 26/7/2021, 1SRISP

Um arco de alianças entre a tradição e hipermodernidade.

Uma ponte sob os preconceitos abissais.
Uma honra à civilização brasileira.
Somos todos peregrinos.
Manuel e Flauzilino,
andando como se chegassem atrasados,
acham-se mais à frente (a ideia é do Leminski).

Nosso lema: a segurança de uma profissão amorosa.

Quem ama registra!

Índices e estatísticas – return again

O post IRIB – Índices e dados estatísticos, produzido em 2018 e somente divulgado na semana retrasada, rendeu uma certa controvérsia. O rascunho ficou dormitando esses anos todos e só me dei conta de que não o havia publicado recentemente. Seja como for, era um registro fidedigno de um projeto maravilhoso que acabou não se consumando e essa é a razão pela qual eu o veiculei. Era importante deixar um registro para os que nos sucederão na lida da representação corporativa.

Não se realizou o projeto, mas por qual razão? O motivo é simples: falta de visão e inteligência estratégica de certos setores da atividade. A isso se aliaram certos fatores: Açodamento. Precipitação. Improvisação. O poeta Mário Quintana dizia, com razão, que há algo invencível e contra o qual “não se conseguiu inventar nenhuma arma”.

As teses que vimos defendendo ao longo de muitos anos acabam por ser confirmadas pelos nossos tribunais. Os leitores deste Observatório sabem o quanto me tenho dedicado à preservação das prerrogativas dos registradores imobiliários. Não o faço tão-somente em defesa de estritos interesses corporativos, mas na certeza de que um bom sistema registral é um bem precioso da sociedade.

Ainda agora a Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo vem de decidir que o envio de dados para as entidades para-registrais deve ser limitado. O parecer do magistrado é irretocável. Diz ele:

“por força do art. 236 da Constituição da República, os dados entregues ao registro de imóveis estão sob a guarda dos relativos Oficiais, e de mais ninguém (Lei nº 6.015/1973, arts. 22, 24, 26 e 167 e 169; Lei nº 8.935/1994, art. 46, caput; Prov. nº 89/2019, arts. 8º, § 2º, e 11; NSCGJ, Cap. XIII, itens 9 e 36). Por conseguinte, os Registradores são controladores e responsáveis pelas decisões referentes ao tratamento [de dados pessoais] (LGPD, art. 5º, VI, c. c. art. 23, § 4º; NSCGJ, Cap. XIII, item 129).

Quaisquer outros órgãos, instituições, serviços ou associações têm funções meramente ancilares, subordinadas ao modelo que a Carta de 1988 adotou: a delegação é feita a cada Oficial concreto, e de cada um, portanto, a missão de velar pelo respeito à proteção dos dados postos em seus arquivos”.

[Processo CG 53.702/202. Des. Ricardo Mair Anafe].

É evidente, sempre foi ululante, que o envio dos dados pessoais da DOI para entidades privadas para-registrais era simplesmente ilegal. A insistência era incompreensível, na melhor das hipóteses.

Não vou cansar os leitores deste blogue. Quem tiver interesse no assunto encontrará, aqui mesmo, neste espaço, farto material de pesquisa. Indico alguns posts logo abaixo.

Termino saudando os meus colegas do NEAR-lab, que especificaram um modelo elegante e factível de produção de dados estatísticos e índices sem malferir os dados pessoais, preservando as atribuições e competência de cada registrador imobiliário brasileiro.

Consulte também: