O Cartório de Registro de Imóveis era multifacetado, agregava anexos como a Corregedoria Permanente, os Cartórios do Júri e o de Menores. Trabalhar nos anexos era diferente e poucos se interessavam. Havia processos administrativos disciplinares, sindicâncias, expedição de alvarás para menores frequentarem bailes nos finais de semana, mas havia uma parte sinistra que suscitava a curiosidade mórbida de alguns escreventes: os processos do júri, com suas horripilantes fotos em preto e branco. Viam-se pobres vítimas assassinadas de muitas maneiras – a machadadas, enforcadas, esfaqueadas, baleadas, até mesmo decapitadas. As fotos jaziam entre as folhas amareladas dos autos e o pequeno auxiliar de cartório sempre as espiava de soslaio quando tinha que numerar e rubricar as folhas dos autos. As fotos metiam-lhe medo e repugnância, às vezes pesadelos.
Os homicidas eram levados a júri e as sessões eram sempre muito concorridas. As pessoas se aboletavam no grande salão do tribunal para acompanhar os debates travados entre o Dr. Raposo Mendez, um refinado velhacaz, e o promotor de justiça da comarca, Dr. Eustáquio da Silveira. Os debates se tornariam antológicos, mas o que mais impressionava o jovem cartorário era a perícia do escrivão do júri, o “Seu” João Penaforte. Ele reduzia os momentos importantes do julgamento em elegantes termos de audiência e o fazia com rapidez faiscante, dedilhando o teclado estilizado de uma Remington 19. Era como se a máquina fosse uma extensão de si mesmo. João antecipava-se ao comando do juiz, adivinhava-lhe os pensamentos, intuía suas intenções, era como se conduzisse, ele próprio, o curso da sessão. Quem trabalhou nas comarcas do interior sabe muito bem o valor dos escrivães experimentados e certamente terá ouvido falar do grande João Penaforte, o escrivão do Tribunal do Júri.
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