Marco Bortz
Qualquer observador atento, não pode fazer galhofa dos extraordinários eventos que regem o nosso universo. A coexistência de forças absolutamente antagônicas na aparência, produzem um conjunto harmônico e belo, capaz de formar explêndidos e admiráveis cenários, dignos de louvor àquele Ser que as criou.
Daí que o maior mamífero da terra (ou dos mares) toma o seu alimento do mais ínfimo animal existente, o crill. Essa coexistência, assimétrica na aparência, é que determina o equilíbrio de todo ecossistema. Assimetria aparente sim, porque o maior não é o mais numeroso, e é a quantidade deste que alimenta o tamanho daquele, curiosa simetria invisível ao olho açodado.
Como exterminar o grande cetáceo? Simples, se não pode com o maior, mate o pequeno, o crill, polua-se o mar… e o grande cederá…
Fiquei impressionado com o desenvolvimento e o avanço que o Código de Registo Civil português introduziu no sistema registral (Decreto-lei nº 131/95, de 6 de junho). Notáveis os seus princípios, a simplificação, a outorga de poderes de cognição ao Conservador para decreto da separação e do divórcio consensuais, para declaração de inexistência da posse de estado de filho, a autoridade do Conservador para retificar os assentos… E tudo isso baseado na «cuidada preparação técnico-jurídica reconhecida aos conservadores do registo civil e a especial vocação destes na área do Direito da Família» (Exposição de motivos que introduziram o novel codice, g. n.).
De outro lado, avulta a perplexidade em face da situação atual do notariado português. Uma total inversão de valores. Como se o registo pudesse viver sem as notas, ou as notas sem o registo.
A atividade registária e notarial divide-se, mas sobrevive da harmonia e da convivência de seus atores, cada um em sua especialização.
A vida moderna é extremamente complexa, difusa, cheia de meandros e detalhes que precisam ser esculpidos por mãos experimentadas e conhecedoras, na largura e na profundidade de sua matéria prima.
As pessoas comuns não são obrigadas a conhecer e saber como tudo se faz. Daí a concertada atuação entre as notas e o registo. Este não desenvolve sem aquela, aquela não vive sem este…
Após a leitura do texto da Dra. Sandra Pinto, corri à prateleira, socorro, pensava, como é possível… que belíssimo preâmbulo contém a Constituição, ora, «Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária» (art. 1º, da Constituição portuguesa).
«Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o gênero de trabalho…» (art. 47º, 1, idem) e «acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso» (art. 47º, 2, idem).
Registo e notas são atividades que funcionam em perfeita simetria, apesar de não aparente. Destrua-se as notas e o registo será conseqüência… O desequilibrio e a insegurança serão evidentes, e o falecimento de um operará, cedo ou tarde, o declínio do outro. Vulnerada, a final, restará a Constituição, em seus princípios mais elementares, e os cidadãos na ponta da cadeia, pois a pessoa humana é a destinatária dos meios conducentes à segurança e à estabilidade.
Daí a causa mortis a ser lançada no registo de óbito: anoxia notarial, mas este motivo não coincide com a vida real, então a necessidade de retificação: paraplegia tabelio-registral, paralisia de membros simétricos, que tinham por escopo proporcionar os meios necessários para o corpo social. Curiosamente, em Portugal, pode ser que os Conservadores (ou conservadores) tenham atribuição para efetuar tal retificação… melhor seria que se unissem para o cancelamento de tal assento, e, quiçá a lavratura de um novo registro, o de casamento… esse é o termo capaz de produzir nova herança…
Extraordinária a velocidade com que a informação circula na blogosfera, mal a Dra. Sandra Pinto deu-nos ciência da triste história notarial portuguesa, e os canais lusitanos já registraram o evento (http://notariosprivados.blog.pt/).
Oxalá os Conservadores e os conservadores também alcancem as suas notas, Dra. Sandra, para conduzi-las ao registo…