IRIB – Índices e dados estatísticos

Contacto

Finalmente, relevando o aspecto que mais nos interessava – consultoria independente – realizamos uma reunião com vistas a elaborar um estudo econométrico dos índices do IRIB no dia 5/9/2018, às 15h30, no Quinto Registro, da qual participaram o Presidente do IRIB, Adriana Unger (NEAR-lab), Eduardo Rottmann[1] e Prof. Nelson Lerner Barth[2].

Dessa reunião surgiu o plano de trabalho consubstanciada na proposta elaborada anteriormente e apresentada pela CONTACTO[3].

Em seguida, no dia 25/9/2018, apresentei a proposta à diretoria do IRIB nos seguintes termos:

Prezados/as colegas de diretoria.

Como temos já adiantamos nas últimas reuniões, vamos dar curso ao projeto de elaboração de índices do mercado imobiliário para o municiar o próprio mercado, a imprensa e a administração pública federal e estadual.

O ponto de partida deste projeto nasceu das reuniões com a Secretaria da Presidência da República (Bem Mais Simples) para tratar de temas relacionados com a classificação do Brasil no ranking internacional do doing business. A notícia acha-se aqui:

Selo IRIB

Nossa ideia, diferentemente de outras iniciativas correlatas, é produzir dados estatísticos com o selo IRIB, o que nos permitirá utilizar, de modo soberano, os dados, preservando, sempre, a privacidade e anonimizando os dados identificadores do bem e das pessoas envolvidas. A fonte de nossos dados é o arquivo da DOI, como utilizado no projeto da ARISP. Como sabem, existe um projeto que foi aprovado na gestão do Flauzilino A. dos Santos pela Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo (Processo CG 75.387/2012). 

A nossa ideia é levar um projeto inédito, testado e validado, para aprovação pelo CNJ. Para isso, é necessário fazer um projeto de especificação de requisitos para uma plataforma interativa na web para consulta dos índices. Exemplos podem ser conhecidos aqui: 

No caso do IRIB, teríamos um modelo mais abrangente (e preciso) do que foi criado pelo Colégio Notarial do Brasil, aqui:

A iniciativa do COLNOT-SP é excelente, mas parcial. O IRIB poderia dispor de dados relativos às escrituras públicas, acrescidos com os dados dos instrumentos particulares – SFH, SFI, promessas, cessões, e títulos de extração judicial. 

Com isso teríamos uma excelente base de dados que podem dar visibilidade e importância para o registro de imóveis brasileiro.

Para isso, contatamos uma empresa especializada chamada Contacto – Consultores, que é integrada por técnicos do IBAPE e professores da Escola Politécnica da USP. Eles nos deram o orçamento que vai anexo.

Estamos agendando um encontro com os técnicos do governo para a realização, em breve, de seminário especialmente dedicado ao tema do doing business e dados estatísticos.

A proposta foi aprovada pela Diretoria por seus membros Ângelo Lovis, Ivan Jacopetti do Lago, Caleb Miranda, Izaías Ferro Jr., Leonardo Brandelli, Daniela Rosário, Naila de Rezende Khury e Francisco Toledo.

Na programação do XLV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, realizado na cidade de Florianópolis, Santa Catarina, no dia 17/10/2018, Cláudio Machado apresentou o Projeto Portal info-Registral.

Por fim, aprovada a proposta, ela integrou a série de iniciativas apresentadas à apreciação dos colegas do Comitê Pró-SREI e figurou no documento por mim firmado a 13/11/2018 como apresentação das propostas da nova gestão – Sendas para o Futuro. Do documento se extrai:

Portal Info-Registral – Implantação do portal de índices do registro imobiliário brasileiro.

Escopo: estudo econométrico e especificação de índices para o registro imobiliário a partir dos dados disponíveis na DOI, especificação de requisitos para desenvolvimento do Portal de Índices do IRIB. Participantes: Adriana Unger e Claudio Machado – coordenação. Foi contratada a Contacto Consultoria com a participação do Eng. Eduardo Rottmann, Engenheiro Civil e Mestre pela Escola Politécnica da USP, Membro titular do IBAPE-SP e Prof. Dr. Nelson Lerner Barth, Engenheiro Eletrônico, Doutor em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas, Professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV. (Vide especificação do projeto no anexo)[4].

Como se vê o assunto foi exaustivamente debatido não só no âmbito da Diretoria do IRIB, mas, especialmente, no contexto das discussões do grupo IRIB – plano estratégico. Não se pode dizer que o assunto foi tratado nas antecâmaras do IRIB, nem de um projeto que se adiantou a iniciativas que afinal acabaram se precipitando no bojo de centrais estaduais. Tudo foi extensivamente debatido e discutido dentro e fora do IRIB.

27/12/2018 – E como ficamos?

Na parte da manhã houve uma reunião entre o Presidente da ARISP, Flaviano Galhardo, a registradora Patrícia Ferraz, e o representante da FIPE ocasião em que se firmou a intenção de seguir com o projeto alheio ao trabalho desenvolvido pelo IRIB.

Respeitemos a decisão da ARISP. Penso, todavia, que os objetivos que nos animam não devem morrer à míngua. Estamos diante de um exemplo claríssimo de como as coisas não devem ser feitas. O IRIB deveria ter sido consultado acerca do apoio que poderia dar (ou mais apropriadamente: receber) dos que se lançaram à criação desses índices parcelares e estadualizados.

Penso que estamos diante de um desafio nacional. A criação de índices, a exemplo do Portal da Transparência, como o chamou a ARPEN – Registradores Civis, é uma necessidade de caráter nacional[5]. Haveremos de aplaudir a iniciativa eminentemente institucional dos registradores civis, não tributária de empresas, instituições ou organismos extra-registrais.

O Portal da Transparência da ARPEN é um modelo a ser seguido. Ali temos dados globais, veiculados diretamente pela entidade nacional, sem intermediação de terceiros que podem tirar proveito econômico dos dados – o novo petróleo da economia digital.

Penso que devemos seguir com empenho na criação dos índices institucionais e de caráter nacional. É de se lamentar, uma vez mais, que nos deparemos com despesas concorrentes, produção de dados redundantes, disputas por espaços que deveriam ser reservados à entidade de caráter nacional e com o foco centrado exclusivamente nos interesses institucionais.

Não deixaremos de apoiar, contudo, todas as boas iniciativas que possam nascer dos interessados no Registro de Imóveis brasileiro.


[1] Engenheiro civil, M.Sc. – E.P.U.S.P. membro titular do IBAPE-SP e sócio da Contacto Consultores Associados – http://www.contactoconsultores.com.br/

[2] Professor de métodos quantitativos nos cursos de Graduação e de Mestrado Profissional da FGV-EAESP, bem como em cursos abertos e in‑company de especialização. Coordenador do Curso de Graduação em Administração da FGV-EAESP (Escola de Administração de Empresas, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.

[3] Acesso: http://bit.ly/2EOUOev.

[4] JACOMINO. S. Carta à Diretoria e Conselhos. https://circuloregistral.files.wordpress.com/2018/12/IRIB-carta-à-diretoria.pdf.

[5] V. https://transparencia.registrocivil.org.br/home.

Provimento CNJ 74/2018 – bis

O Corregedor-Nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, atendendo aos reclamos das entidades de classe e ponderando as razões apresentadas pelos institutos-membros e da Anoreg-BR, determinou “a suspensão dos efeitos do Provimento 74/2018 pelo prazo de 90 dias ou até efetiva instalação do COGETISE e a manifestação sobre o tema tratado” nos autos (PP 0006206-30.2018.2.00.0000).

É uma decisão acertada. Tive ocasião de apontar a completa desorientação dos responsáveis pelas serventias espalhadas por todo o território nacional que, à míngua de uma orientação uniforme e precisa, tateavam por soluções que, na maior parte das vezes, se mostrou inadequada ou desnecessária – mas sempre onerosa [1].

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Provimento CNJ 74/2018 em debate – tecnologia molda o Registro Público


O conteúdo do Provimento 74/2018 do Conselho Nacional de Justiça e as propostas apresentadas pela Anoreg-BR representam um importante passo no sentido de dotar as serventias extrajudiciais do país de uma infraestrutura básica que permita aos cartórios enfrentarem os desafios da sociedade digital, observados certos critérios e cronograma.

O fato do excelentíssimo Senhor Corregedor-Nacional abrir um canal de diálogo com a categoria é uma ótima oportunidade para debater francamente as peças postas sobre o tabuleiro corporativo e institucional.

Manifestando-me neste canal, expresso meu ponto de vista pessoal, não o do Instituto que tenho a honra de presidir. A CPRI – Comissão do Pensamento Registral Imobiliário do IRIB haverá de se pronunciar sobre o tema e essa será a posição do Instituto.

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Alves Braga – o ensaio da orquestra

O Ensaio da Orquestra – filme de Federico Fellini (1978)

“Eu me sinto um fantasma…” – diz o personagem que interpreta o maestro na obra de Federico Fellini (Ensaio de Orquestra,1978). 

Ao longo de muitos anos à frente de uma busca incansável de respostas para o desenvolvimento do sistema registral brasileiro, chego ao final do ano com a sensação do maestro felliniano diante de uma orquestra irascível: “Merda! O que me falta é paz, tranquilidade e silêncio”.

Parece que estamos sempre à espera de um derradeiro sufrágio que nunca se efetiva, à caça de uma super-deliberação redentora… Nada se preclui, pouco se decide e consolida no curso do tempo, parece que navegamos no cenário do filme de Fellini – uma capela em ruína que acolhe músicos sindicalizados.

“Se Wagner tivesse conhecido os sindicatos e as greves jamais haveria escrito suas óperas”.

Ensaio da Orquestra. 

Ecco! Buscamos harmonia numa agremiação que se esboroa num curso de imprecações vaidosas, corporativas e estéreis.

Contudo, nada como a leitura de um bom texto. 

Neste sábado gostaria de compartilhar a separata do Boletim do IRIB em Revista, a maravilhosa publicação que o Instituto edita e publica há muitos anos. Destaquei uma matéria da lavra de Antônio Carlos Alves Braga Jr. – SREI e a importância da regulação em âmbito nacional. 

Espero que apreciem e, como eu, se renovem na senda para o futuro. 

 

Passado e futuro se ligam numa grande ponte geracional

Discurso de abertura do XLV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil proferido pelo Presidente, Sérgio Jacomino. Na sua fala, o registrador enfatiza a importância dos avanços tecnológicos, ressaltando o papel da tradição

– “Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para ir embora daqui?”, perguntou Alice
– “Depende bastante de para onde quer ir”, respondeu o Gato de Cheshire.
– “Não me importa muito para onde”, disse Alice.
– “Então não importa que caminho tome”, disse o Gato. (Alice no País das Maravilhas).

Lembrei-me da célebre passagem de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Caroll, quando preparava estas breves palavras que ora dirijo aos registradores imobiliários de todo o Brasil reunidos na abertura do XLV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis.

CloudVivemos uma época de grandes mudanças e transformações. Achamo-nos como que imersos num ambiente cultural e tecnológico em que se produz uma sensação de perda de referências, de insegurança. Vagamos desorientados sob um denso nevoeiro de dúvidas e incertezas. Continuar lendo

Subdelegação de funções e a floração de atividades para-registrais

McLuhan

No post Subdelegação de funções e a subversão do sistema registral e notarial, publicado em 15/9/2018, toquei num tema que parece ter se convertido numa vexata quæstio a suscitar paixões, a dividir opiniões — algumas veiculadas em entidades corporativas de registradores, outras transitadas em círculos estritos de autoridades.

Bom que tenhamos ânimo para discutir e aprofundar temas tão delicados e que podem representar uma mudança significativa no padrão adotado até aqui para o desenvolvimento do que, neste contexto, se chamou impropriamente de Registro de Imóveis eletrônico.

O tema é delicado e sensível porque atrai para o debate público tendências de prefiguração de um fenômeno, que à falta de melhor expressão, tenho qualificado como subdelegação de funções próprias de registradores a células para-registrais. A expressão é adrede provocativa e aponta para um fenômeno que tem chamado muito a minha atenção. Como diz McLuhan, os novos meios tecnológicos não só carregam, mas traduzem e transformam o emissor, o destinatário e a mensagem (Mcluhan. Marshsall. Understanding media – the extensions of Man. Cambridge: MIT, 1994, p. 90).

O advento de novos meios de comunicação e informação e sua assimilação pelos notários e registradores tem transformado o próprio sistema notarial e de Registro de Imóveis, e poucos se têm dado conta deste fato e das implicações jurídicas e tecnológicas daí decorrentes.

Um bom exemplo é a formação e consubstanciação de títulos privados no âmago das centrais estaduais ligadas a registradores. Ocorre uma “transubstanciação” que se opera in itinere quando se desencadeia o intercâmbio de informações entre o emissor e o receptor de mensagens cifradas em linguagem de máquina (XML). Esses tramos eletrônicos titularizam, dão forma, a atos ou negócios jurídicos. A máquina se converte numa espécie de “CyberNotary”.

Podem ser colhidos outros exemplos: notificações consubstanciadas pela máquina para constituição em mora de devedores nas alienações fiduciárias, pesquisas patrimoniais universalizadas, criação de repositórios eletrônicos compartilhados entre todos os registradores congregados na rede (CNIB – Central Nacional de Indisponibilidade de Bens), etc. Estas eram tarefas próprias de registradores, potencializadas agora por uma tecnologia transformadora que faz nascer novos e instigantes desafios.

Marshall_McLuhan

Vejamos o mesmo fenômeno a partir de outra perspectiva. No interior das serventias hoje viceja uma nova categoria de profissionais que há bem pouco não se cogitava fosse necessária: programadores de computadores, analistas de sistemas, especialistas em segurança de dados, gestores de processos e projetos, técnicos em informática, redes, hardware, etc. Como quadrá-los na antiga categoria de prepostos e suas espécies auxiliares e escreventes (art. 20 da Lei 8.935/1994)? Os prepostos já não executam tarefas próprias de registração e averbamento, nem atuam como auxiliares nesses tradicionais misteres.

Não há almoço grátis

Todos os novos serviços, acima aludidos, são oferecidos ao mercado por tais entidades para-registrais e remunerados diretamente pelos próprios interessados. Essas taxas não são emolumentos, nem com eles se confundem, à míngua de expressa previsão legal. Nem mesmo se pode admitir que possam ser consideradas “taxas extras” de serviços eventuais – como produção de cópias reprográficas, diligências, etc. Notem: não se trata de uma atividade eventual e episodicamente necessária para concretizar um ato próprio de registro – como solicitar certidões de outras especialidades, por exemplo. Na verdade, estamos diante de um órgão que sintetiza algo que é o próprio labor do registrador.

Como nascem essas entidades para-registrais? Como se criam novos serviços? A configuração proporcionada pelo ecossistema de prestação de serviços registrais por meios eletrônicos nos coloca diante de um importante desafio: como financiar a transformação tecnológica das unidades titularizadas pelos oficiais de Registro de Imóveis de todo o país? Como colocar em prática o que se acha previsto na Recomendação 14 do CNJ?

Esse é ponto: financiamento de um sistema eletrônico que é expressão homóloga dos cartórios tradicionais.

Vimos que o ministro Alexandre de Moraes sinalizou, em recente despacho, que a “validade de atos administrativos concretos formalizados por autoridades e entidades de classe em todo o país deverá ser apurada pelas instâncias ordinárias de controle, inclusive no tocante à responsabilidade pessoal, cível e penal, dos agentes públicos envolvidos na prática desses atos”. Em seguida, determinou que se oficiasse às Corregedorias Gerais dos Estados para que prestassem informações sobre esses serviços e sobre a cobrança de taxas:

Conforme salientado em decisões anteriores, a validade de convênios e parcerias formalizados por autoridades e entidades de classe deverá ser apurada pelas instâncias ordinárias de controle, no caso, as Corregedorias dos Tribunais de Justiça. O tão só fato de tais instrumentos não mencionarem as normas impugnadas na presente Ação Direta não permite a conclusão de estarem em conformidade com a decisão cautelar proferida nestes autos.

Em vista disso, e visando a colher mais informações para a compreensão do  tema, determino a intimação das Corregedorias dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal para que, no prazo de 10 (dez) dias, apresentem informações detalhadas sobre a celebração de convênios entre Cartórios e órgãos públicos, especificando-se o conteúdo dos mesmos com a indicação das atividades prestadas e eventual contrapartida financeira, além de indicarem as providências adotadas para a fiscalização e controle dessas parcerias”. (Despacho de 24/10/2018, acesso aqui).

Registro, aqui, minha compreensão de que talvez não seja possível retroceder e invalidar todos os convênios que foram firmados pelas centrais com entidades públicas e privadas para prestação de serviços por meios eletrônicos. O que ressalto, sempre, é a necessidade de que essas iniciativas devam ser bem orientadas, buscando realizar o futuro da atividade registral com os pés fincados na tradição.

LUIZ CARLOS ANDRIGHETTI

Andrighetty e Savoy
Luiz Carlos Andrighetti e Miguel Savoy. Escreventes do Registro de Imóveis de São Bernardo do Campo. Foto: SJ, circa 1990.

A quarta-feira amanheceu cinzenta e enevoada. Um vento frio movia as folhas e dobrava os ramos no quintal. O café tarda, o trânsito rumora lá fora, a chuva percute uma melodia triste no telhado. Fico sentado, absorto, afundado num circulo de pensamentos imperfeitos. Luiz partiu, a notícia reverbera em mim.

Com a sua partida algo essencial se perde, se esfuma e se confunde nas brumas do tempo. Não sei bem o quê – um traço, uma palavra mágica, um nome se extingue, uma luz deita sombras no leito de uma longa estrada, uma estrela se precipita sobre si mesma.

Fico em silêncio. Penso que o Registro de Imóveis, que ele e eu conhecemos há tanto tempo, igualmente se desfigura lentamente. Será o conteúdo e o próprio significado dos pesados livros que de repente se fecham em densos mistérios? Quantas narrativas agora dormem o pesado sono de cifras timbradas pela fé? Ah, Luizinho, a vida anoitece e deita sombras sobre os antigos livros de registro e obscurece nossos corações.

Luiz Andrighetti partiu e com ele se vai uma fração linda e delicada do próprio Registro de Imóveis.

Há um vínculo essencial que me une ao Luiz Andrighetti. Lembro-me de sua caligrafia impecável, de sua perícia inigualável, de sua acuidade, precisão, a capacidade singular de flagrar a pequena nódoa no mar de narrativas titulares. Hoje me ocorre que o seu texto, vazado naquela letrinha caprichada e uniforme, a elegância das capitulares desenhadas com tanto esmero, tudo isso é a expressão humana mais profunda, sublime e delicada que se abre feito uma bela flor dos ofícios. Poucos saberão o significado profundo e sagrado das artes registrais.

Percebo meus pés descalços e frios sobre o assoalho. Desperto de minhas lembranças. Acompanho extático as pequenas gotas que despencam e se arrojam em queda na janela do quarto. Pequenos meteoros translúcidos, deixam um delicado rastro que se perde e se transforma no percurso. Já são outras gotas que se despedem e assim o ciclo se renova. Assim é a vida, Luizinho, uma eterna dança de transformação e permanência.

Quem viveu o ambiente dos velhos cartórios saberá compreender o que agora lhe confio nesta oração. O vínculo duradouro que nos unia cinzelava os artífices das artes registrais. É o tempo, Luiz, é o tempo que nos aperfeiçoa, que nos lapida, que nos transforma em mestres nas artes de nossa corporação.

Você foi um grande mestre. Nunca cursou uma faculdade de direito, nunca se entreteve com os devaneios e lucubrações acadêmicas, nunca se perdeu no artificialismo de conceitos de moda, nunca, nunca, cedeu à sedução do erro. Você foi um prático, um escrevente que dominava como poucos o saber prudencial, guiava-se por uma espécie de razão prática. Eu sempre o admirei, Luiz, sempre o tive como um exemplo que dignificava a nossa profissão.

Pensando no amigo, não deixo de voltar os meus pensamentos ao próprio Registro de Imóveis, no seio do qual nos desenvolvemos como profissionais e como pessoas. Penso que somos homens de outro tempo, forjados no mister prático, artistas devotados a uma escola de saberes e de conhecimento que nos revela as perenes mutações pessoais e patrimoniais nesta Terra dos Homens. O Registro será uma expressão prefigurada do próprio Livro da Vida, sempre dizia isso, você se lembra?

O que será de nós, Luiz? O que será da Academia do Registro de Imóveis? O que nos sobrevirá e que já se anuncia como nuvens cinzentas no horizonte? Será a tormenta que a tudo arrasa e destrói? Ou a chuva bendita que anima a cepa e fortalece a rama que ainda nos dará um belo fruto?

Não sei Luiz, não sei responder. Sigo seus passos nesta faina diária, guiado pela fé, aquela fé superior que por empréstimo qualifica e dignifica os nossos atos. Sigo na seara cuidando dos brotos e zelando pelo jardim, livrando-o, como posso, da erva daninha e da praga que o assalta na calada da noite.

Luiz nasceu no dia 5 de maio de 1951 em Tupã, interior de São Paulo. Já em 1963 veio com a família a São Paulo e depois de alguns anos estabeleceu-se no Bairro Baeta neves, em São Bernardo do Campo. Partiria no dia 24 de outubro de 2018, uma quarta-feira. Deixou a esposa, Luziene Gomes Andrighetti e os filhos Rodrigo Gomes Andrighetti e Fernando Gomes Andrighetti

Averbo estas notas como forma de agradecimento à Vida e ao Registro de Imóveis. É esta instituição que me acolheu e formou como profissional e que hoje me permite, na condição de Presidente do IRIB, registrar, talvez como só um velho registrador pudesse, a trajetória deste membro eterno da corporação de ofício dos Registros de Imóveis.

Siga em paz, Luizinho. Sua luz nunca se apagará, querido colega e amigo.

Lei seca e o reconhecimento de firmas

prohibition-759x500A MDDI (Mesa de Debates de Direito Imobiliário) é um grupo de excelentes advogados paulistas que tem por objetivo debater temas de interesse comum desses profissionais. Tenho orgulho de fazer parte do grupo, convidado pelos colegas juristas e apresentando, vez por outra, alguma contribuição para as discussões.

No próximo dia 30/10 realizar-se-á a reunião ordinária do grupo e, dentre outros temas, foi sugerido o seguinte: análise dos efeitos práticos da Lei 13.726, de 8/10/2018, que criou o selo de desburocratização, buscando racionalizar atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Abalei-me a dar de antemão minha opinião. Não sou notário, de modo que é possível considerar esta manifestação isenta de interesses imediatos, embora, deva reconhecer, o reconhecimento de firma nos dá, aos registradores imobiliários, uma extraordinária segurança adicional, já que evita, em parte, a avulsão de escrituras falsas, fenômeno que recrudesce nos últimos anos. Soa paradoxal que devamos nos apoiar numa atividade tipicamente notarial (reconhecimento de firmas) para enfrentar o fenômeno da falsidade de… títulos notariais!

Vamos lá. A pergunta é: por qual razão as sucessivas leis de “desburocratização” não pegam? (assim é percebido pela maioria dos profanos). Há várias dessas leis e decretos no âmbito federal ou estadual. Essa é, portanto, uma questão central. Continuar lendo

Ermitanices e a diatribe de velhacazes

Estive na quinta passada, como sempre faço à tardinha, logo depois do expediente, no apartamento do Velho, o excêntrico advogado paulistano, Dr. Ermitânio Prado.

Encontrei-o de bom humor. Ria um riso contagiante, até rebentar as ilhargas, como diz. Fica neste estado de excitação sempre que se depara com alguma expressão de “pseudodoxia galhofa”. As expressões são próprias do velho Leão do Jocquey.

Diz que um pobre diabo (não arrisquei identificar o nome do sujeito) o questionara pela manhã a respeito de diatribes que dividem lobos, raposas e outros velhacazes refinadíssimos.

Reproduzo aqui o final da conversa, sem que pudesse até agora identificar o sujeito:

– Dr. Ermitânio, já não estou entendendo nada!

– Meu jovem, isto já é um bom começo. Nada é sempre melhor do que tudo. A ignorância apofásica é a calha de todo conhecimento verdadeiro. Vamos lá! Esvazie-se! Inicie sua jornada pelos princípios. Com prudência verá que no princípio era a verba.

– Como assim, Dr. EP? Verba tabelioa?

– Tabelioa e registral.

E ria, “até rebentar as ilhargas”, o velho Ermitânio Prado.