Lei seca e o reconhecimento de firmas

prohibition-759x500A MDDI (Mesa de Debates de Direito Imobiliário) é um grupo de excelentes advogados paulistas que tem por objetivo debater temas de interesse comum desses profissionais. Tenho orgulho de fazer parte do grupo, convidado pelos colegas juristas e apresentando, vez por outra, alguma contribuição para as discussões.

No próximo dia 30/10 realizar-se-á a reunião ordinária do grupo e, dentre outros temas, foi sugerido o seguinte: análise dos efeitos práticos da Lei 13.726, de 8/10/2018, que criou o selo de desburocratização, buscando racionalizar atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Abalei-me a dar de antemão minha opinião. Não sou notário, de modo que é possível considerar esta manifestação isenta de interesses imediatos, embora, deva reconhecer, o reconhecimento de firma nos dá, aos registradores imobiliários, uma extraordinária segurança adicional, já que evita, em parte, a avulsão de escrituras falsas, fenômeno que recrudesce nos últimos anos. Soa paradoxal que devamos nos apoiar numa atividade tipicamente notarial (reconhecimento de firmas) para enfrentar o fenômeno da falsidade de… títulos notariais!

Vamos lá. A pergunta é: por qual razão as sucessivas leis de “desburocratização” não pegam? (assim é percebido pela maioria dos profanos). Há várias dessas leis e decretos no âmbito federal ou estadual. Essa é, portanto, uma questão central. Continuar lendo

Convenção da Apostila de Haia e os notários e registradores

Apostille_ArmeniaO Conselho Nacional de Justiça (CNJ) trabalha na coordenação e regulamentação da aplicação da Convenção da Apostila de Haia no Brasil, que entra em vigor em agosto deste ano.

O tratado foi firmado pelo Brasil e por mais de uma centena de outros países e tem por objetivo agilizar e simplificar a legalização de documentos públicos confeccionados no território de um dos Estados Contratantes e que devam produzir efeitos no território de outro (art. 1° do Decreto 8.660, de 29.1.2016 e Decreto-Legislativo 148/2015).

No âmbito da dita Convenção são considerados documentos públicos os provenientes de uma autoridade ou de um agente público vinculados a qualquer jurisdição do Estado, inclusive Ministério Público, escrivão judiciário ou oficial de justiça. Ao lado destes, prevê-se o apostilamento de documentos administrativos, de atos notariais, de declarações oficiais apostas em documentos de natureza privada, tais como certidões que comprovem o registro de um documento ou a sua existência em determinada data e reconhecimentos de assinatura.

E os notários e registradores?

Em breve nota postada no FB, comentei que estranhei muitíssimo os notários e registradores não terem sido convidados para compor  o Grupo de Trabalho criado no âmbito do CNJ para desenvolvimento de Sistema Eletrônico para dar concretude à Convenção.

No final do ano passado, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, instituiu, por meio da Portaria 155/2015, um grupo de trabalho (GT) para desenvolver um sistema que permitiria a emissão da chamada “Apostila de Haia” nos cartórios de todo país. Esta notícia foi veiculada no site do CNJ [vide espelho aqui: CNJ – CNJ vai regulamentar a aplicação da Convenção da Apostila de Haia no país].

Posteriormente, o mesmo CNJ noticiava que o sistema que vai permitir a emissão da Apostila de Haia nos cartórios de todo país, desenvolvido pelo CNJ em parceria com o TRF da 4ª Região, estaria em fase de finalização prevendo entrar em funcionamento no dia 14 de julho do corrente ano [vide espelho aqui: CNJ – Conselho avança na implantação da Convenção da Apostila de Haia no país].

No DJe do CNJ de ontem (3.5.2016, p. 3) o ministro Lewandowski publicou a Portaria 52, de 2.5.2016, instituindo grupo de trabalho para “organização e tradução de documentos relativos à Convenção da Apostila de Haia no Brasil”, de cuja comissão não participa qualquer notário ou registrador.

O que mais me chama a atenção é o fato de que o próprio CNJ admite que se deverá “utilizar a estrutura dos cartórios, já presentes em todas as comarcas brasileiras, para viabilizar a emissão do apostilamento em meio eletrônico” (idem, ibidem).

Não tenho notícia de que os notários e registradores, por suas entidades de classe, tenham sido convidados para participar da modelagem de tão importante ferramenta para concretizar a Convenção da Apostila de Haia. Não há, nas referidas portarias do CNJ, qualquer referência a esta importante categoria profissional.

Tal fato é criticável. Lamentavelmente, o que se tem visto é uma profusão de críticas injustificadas e manifestação pública de desdém por um corpo profissional multissecular que, como se vê, é peça fundamental para concretizar a Convenção da Apostila de Haia no país.

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Adenda

  1. Decreto 8.660, de 29.1.2016. Promulga a Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, firmada pela República Federativa do Brasil, em Haia, em 5 de outubro de 1961.
  2. Decreto-Legislativo 148/2015. Aprova o texto da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, celebrada na Haia, em 5 de outubro de 1961.
  3. CNJ – CNJ vai regulamentar a aplicação da Convenção da Apostila de Haia no país. Notícias do CNJ.
  4. CNJ – Conselho avança na implantação da Convenção da Apostila de Haia no país. Notícias do CNJ.
  5. Portaria 155/2015.  Institui Grupo de Trabalho para desenvolvimento de Sistema Eletrônico e realização de estudos para aplicação da Convenção da Apostila da Haia no âmbito do Poder Judiciário.
  6. Portaria 52, de 2.5.2016. Institui Grupo de Trabalho para organização e tradução de documentos relativos à Convenção da Apostila de Haia no Brasil.

Café com Jurisprudência retorna com força total

Competências Específicas dos Registradores sob enfoque do presidente da Arisp

Na segunda-feira, dia 14 de março de 2011, foi realizada a segunda edição do ciclo de debates Café com Jurisprudência, na sede da Escola Paulista da Magistratura (EPM), no bojo do Grupo de Debates de Temas de Direito Notarial e Registral, nesta edição focando o tema das competência específicas dos registradores imobiliários.

A aula inaugural ficou a cargo do registrador da capital, Flauzilino Araújo dos Santos, presidente da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp). Sua exposição acabou despertando calorosos debates e discussões..

Na mesa, as participações dos coordenadores do Café com Jurisprudência -desembargador Ricardo Dip, juízes Luís Paulo Aliende Ribeiro e Tânia Mara Ahualli, além do registrador Sérgio Jacomino.

Na platéia, presentes vários interessados, entre registradores, notários, bacharéis e estudantes de Direito, advogados, funcionários do Poder Judiciário e dos cartórios extrajudiciais.

Ricardo Dip: discriminar é preciso!

Em entrevista a este blogue, o Desembargador Ricardo Dip ressaltou que o presente módulo do Café com Jurisprudência é busca proceder a uma discriminação – ou seja, de distinção – entre as diversas atribuições e competências dos notários e dos registradores. E segue:

“Penso que, a esse objeto competencial, pode também agregar-se a competência judiciária no âmbito administrativo. Levando-se em conta esse clima um tanto atribulado do mundo pós-moderno, com legislação muito variada, adoção de princípios contantes da lei, aplicações diretas da Constituição, etc, pode haver o risco (e isso certamente é indesejável) de uma sobreposição de competências – para não dizer usurpação de competências – daí a conveniência de um debate que esclareça exatamente o que cabe a cada um desses importantes segmentos da atividade jurídica”, vaticinou o magistrado, um dos mentores do prestigioso ciclo de debates.

Atribuições específicas dos notários

A juíza Tânia Mara Ahualli lembrou a todos que a próxima sessão do Café com Jurisprudência será na segunda-feira, dia 21 de março, com mudança de auditório, desta vez será no 3° andar do prédio da EPM.

O próximo tema abordará o tema das atribuições específicas dos notários, cujo professor convidado, tabelião Márcio Pires de Mesquita, explanará sobre as competências específicas da especialidade notarial.

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Fraudes notariais (nos EEUU)

Os EEUU são impressionantes em sua formidável capacidade de transformar os conteúdos da tradição jurídica continental em arte.

O problema agora é a indústria da cidadania, consistente no percurso labiríntico para se obter a green card intentado por milhares de imigrantes que acedem à Terra da Liberdade e de Marlboro.

A American Bar Association promove a campanha Fight Notario Fraud Project que visa “promover o devido processo legal para todos os imigrantes e refugiados nos Estados Unidos”.

Os “notários” norte-americanos se apresentam como perfeitamente qualificados para oferecer assessoria jurídica em matéria de imigração ou acerca de outras questões de direito. Mas, segundo os advogados, estes profissionais não têm a propalada qualificação jurídica e “rotineiramente acabam por vitimar membros das comunidades de imigração”. O problema, segundo a American Bar Association, reside na falsa compreensão da figura do notário – profissional com uma tradição multissecular na família do Direito romano-germânico.

O termo notário público é particularmente problemático na medida em que cria uma oportunidade única para a frustração. A tradução literal de notário público é notary public. Enquanto que um notary public nos Estados Unidos está autorizado tão-somente a autenticar assinaturas em formulários, um notário público, em muitos países latino-americanos (e europeus), é um particular que recebeu o equivalente a uma licença legal habilitando-se a representar terceiros perante o Governo”. (About notario fraud – in ABA site).

Nem mesmo os advogados americanos compreendem perfeitamente a figura do notário latino – a fiar-se na explicação bisonha que nos proporcionam em seu site. Para eles, o notário seria uma espécie de advogado, já que receberia uma “licença” para representar terceiros perante o Governo (an individual who has received the equivalent of a law license and who is authorized to represent others before the government).

Nenhum notário genuíno se qualificaria dessa maneira, of course.

De todo o modo, as aproximações e as traduções mal feitas, do lado de lá e de cá, têm gerado grandes confusões. Não são poucos os que sustentam a superior condição dos public notaries americanos, em comparação com os nossos, devotando-se, àqueles, uma consideração de superlativas qualidades, identificando-se, impropriamente, atributos de celeridade, comodidade, modicidade de preços que não se justificam absolutamente por faltar a mesma base de comparação.

São coisas distintas – como o dedo e a lua.

“Dormi motoboy, acordei empresário” – parte 2

Na mesma ocasião em que o Dr. Luiz Rascovski concedeu-nos a entrevista abaixo reproduzida, o defensor público nos remeteu o anteprojeto de lei por ele encaminhado ao Congresso Nacional, visando conter a onda de fraudes perpetradas contra milhares de brasileiros.

O texto é suficientemente claro. Vamos à leitura!

São Paulo, 17 de março de 2009.

Ref. Projeto de Lei

A/C
Excelentíssimos Senhores (as) Doutores (as) Senadores (as) e Excelentíssimos Senhores (as) Doutores (as) Deputados (as) Federais,

EMENTA. Projeto de Lei. Necessidade de alteração dos artigos 53 e 63 da Lei nº 8.934/94 que dispõe sobre o registro público de empresas mercantis. Ausência de obrigatoriedade de escritura pública para alteração contratual e dispensabilidade de reconhecimento de firma para arquivamento de atos na Junta comercial que propiciam a execução de fraudes e instaura cenário de ilicitude. Milhares de brasileiros afetados pela inserção indevida e ardilosa como sócios de empresa.

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No Brasil, fraude é destino

lobovelhaOs leitores deste blogue vêm acompanhando a defesa que tenho feito ao longo dos anos da atividade notarial, mesmo não sendo notário.

O Jornal Nacional de hoje confirma o que venho sustentando: a desburocratização, perseguida ingenuamente pelos paladinos da desburocratização, não se confunde com a atividade típica dos notários e registradores na prevenção de conflitos e no combate às fraudes que grassam nas cidades, campos e vilas deste grande país.

A atividade notarial nunca sofreu um ataque tão cerrado. E no entanto, paradoxalmente, nunca necessitamos tanto de mecanismos rápidos, eficazes e baratos para enfrentar a horda de falsários que pulula impune pelo meio ambiente sócio-econômico.

Vivemos sob o signo da insegurança jurídica e o que fazemos, diuturnamente, é vituperar o sistema imunológico criado pela inteligência jurídica ao longo dos séculos justamente para consagrá-la.

O debate sobre a função notarial é esquizofrênico.

A sociedade brasileira percebe a realidade de distintas maneiras. Os burocratas se irmanam com os políticos numa campanha idiota: aqueles visam atacar o que lhes parece uma ameaça, representada por uma atividade pública heterogêna, desempenhada de maneira muito mais eficiente e barata; estes, movidos pelos seus multivariados interesses eleitoreiros e populistas.  Ambos cuidam de fazer a resenha do atraso e traçar o caminho do inferno.

A reportagem do JN toca no ponto. A barreira representada pela intervenção notarial na contratação privada pode significar uma medida simples de higienização, a baixo custo, do meio ambiente em que ocorrem as grandes transações econômicas.

Lavagem de dinheiro, falsificação de documentos, constituição de empresas fantasmas, roubo de identidade… quanto tudo isto representa para o país? Qual o impacto econômico da atividade notarial nas várias etapas da formalização dos negócios? 

Vale a pena conhecer o que o defensor público Luiz Rascovski apresentou ao Congresso. 

Parece que há vida inteligente na administração.

Volto ao assunto.

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Tio Sam e a fé pública

Entre outras podres delícias, o Tio Sam exportou para o mundo a crise decorrente das suas hipotecas podres.

Foi a primeira fissura no imaginário ingênuo daqueles que ainda acreditavam, em pleno século XXI, que o que é bom para os EEUU é bom para esta Selva de Papagaios.

Falo do seu sistema registral – com o perdão da expressão – em que tudo parecia ser muito simples,  rápido, eficiente  e econômico. Para muitos dos que atuam no mercado imobiliário tupiniquim, os modelos de securitização e sua base jurídica de segurança estrutural – sistemas de seguros de títulos e registros administrativos – eram tudo de bom.

“Amo tudo isso” – dizia o empolgado colega do crédito imobiliário, entre um Mac e uma taça generosa de café, macaqueando os players da Fannie Mae and Freddie Mac. Para ser moderno basta acreditar nessas entidades  e apostar na roleta de ações.

Pena que tudo isso deu sumiço e ruiu ruidosamente. Tudo muito ruim, seu moço!

Mas pra quem não conhece muito bem o sistema registral, com o abuso da expressão, recomendo a leitura da patética reportagem do Daily News, edição de 2 de dezembro de 2008It took 90 minutes for Daily News to ‘steal’ the Empire State Building.

Inacreditável: venderam o Empire State Building! E com o apoio de um  “notário” – notaram como uma vez mais é preciso metaforizar esta prosa?

Os 102 anos de história testemunharam o simulacro que consumiu alguns poucos minutos – preenchimento de formulários, atuação de notário e pimba! tudo muito simples, rápido, eficiente e econômico.

Pena que nada disso é seguro. Mas afinal, em tempos pós-modernos, em que tudo que é sólido desmancha no ar, em que a realidade é surpreendida por seus arremedos tecnológicos, para que segurança?

Depois de tentar, arriscar e fracassar, tente de novo: game over!

(Vale a pena ler a nota publicada no Último Segundo).

O “The New York Daily News” revela hoje em sua edição impressa como conseguiu obter a titularidade do edifício com a ajuda de documentos e notário falsos.

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Albergado nos céus

Antônio Albergaria PereiraAgnóstico confesso. Escriba perfeito que implicava com as explicações fáceis, recalcitrava energicamente quando estava em causa a fé pública. Um tabelião-paladino que enfrentava os registradores (e os juízes) com a pena altaneira e sempre qualificada.

Custo a crer que Antônio Albergaria Pereira tenha partido. Eu o supunha eterno tão só por encarnar, como ninguém, os atributos de um bom profissional, notário ímpar, tabelião de lídima cepa. Um homem além de seu tempo, logo se viu em seu tempo. Continuar lendo

Estatizar é preciso

Ou por outra: Como privatizar para estatizar.

Os notários portugueses estão enfrentando um impressionante ataque. À parte as medidas de modernização dos seus registros prediais – algumas delas de fato muito importantes – o fato é que esses tradicionais profissionais da fé pública se acham hoje em meio a um fogo cruzado como nunca se viu.

Vejam o que ocorre com os notários do lá de lá do Atlântico – num post do notário Jorge Silva:

No estatuto da Ordem dos Advogados e dos Solicitadores está previsto que o exercício destas profissões é incompatível com a de Notário.

Porém, com estas novas leis Advogados e Solicitadores podem fazer quase tudo o que um notário faz…

Por isso, temos uma lei que nos diz que é incompatível acumular a profissão de Advogado ou a de Solicitador com a de Notário, mas temos outras que nos dizem que os Advogados e Solicitadores podem fazer tudo o que os Notários fazem.

Concluindo, em Portugal não se pode ser Advogado e Notário, simultaneamente, mas pode-se praticar actos de Notário e exercer advocacia, simultaneamente, com a ressalva de que verdadeiramente não se seja Notário, ou seja, não se tenha sujeitado ao exame de admissão para a profissão, não se pague os impostos e taxas acrescidos e ainda não se tenha todas as obrigações e incompatibilidades da profissão pois nesse caso, se cumprir estes últimos requisitos, apenas pode ser notário e não pode praticar actos próprios de Advogado e ou de Solicitador.

Confusos?

É normal, quem faz estas leis também o deve estar…