Regularização fundiária e sanção premial

Nesta semana, veio ter às minhas mãos um procedimento administrativo instaurado a pedido de um registrador paulistano que oferece sugestões à Primeira Vara de Registros Públicos para se implementar uma peculiar regularização fundiária na Capital de São Paulo.

Cumprindo determinação judicial – que, na verdade, representa uma rara oportunidade de contribuir com a regularização fundiária em nossa cidade -, os registradores prestarão informações e oferecerão sugestões para que a tal regularização fundiária seja real e efetiva.

Para não cair na tentação de acompanhar as conclusões dos que me antecederam, procurei deter-me um tanto no assunto. Deparei-me, então, com uma barreira aparentemente intransponível, ponto a que sempre chego e que reputo como essencial. Trata-se de um nódulo de caráter econômico e que pode ser expresso muito singelamente na questão: como estimular o ocupante de áreas irregulares a regularizar e legalizar o seu lote?

A resposta não é tão simples. Basta pensar no desenvolvimento que o tema vem merecendo na doutrina especializada, cujo maior expoente é o jurista brasileiro Edésio Fernandes. Centenas de livros estão devotados ao assunto, que envolve especialistas de várias áreas e tem, justificadamente, um marcado tratamento multidisplinar.

Como registrador, a minha tendência, como a de muitos de meus colegas, é centrar o foco nos aspectos relacionados ao núcleo da regularização, dita fundiára, de fundus – fundus est omne quidquid solo tenetur -, o que, por fenômeno de antonomásia, nos remete sempre à idéia de regularização fundiária registrária, tendo por objeto material os direitos relativos à propriedade e as acessões urbanas. Continuar lendo

Não há mais metafísica no mundo senão chocolates…

chocolate

Deu no Estadão de hoje a triste nota com detalhes reveladores da Operação Naufrágio da Polícia Federal.

Como se suspeitava, os cartórios têm culpa no cartório.

Não deixa de ser simbólica essa operação.

Parafraseando Pessoa, não há mais idealismo e ingenuidade no mundo senão chocolates.

Vejamos se a prática temerária de criação de cartórios por singelo ato administrativo naufraga nessa procela capixaba.

Cumpriu-se o triste vaticínio. Por pior que seja o processo legislativo, a publicidade que guarda a tramitação de todos os projetos de leis é sempre uma garantia.

Enfim, o Brasil é complexo demais para ser alcançado pelas boas intenções gestadas em gabinetes dos grandes centros políticos e administrativos.

Confira a nota: Continuar lendo

Tio Sam e a fé pública

Entre outras podres delícias, o Tio Sam exportou para o mundo a crise decorrente das suas hipotecas podres.

Foi a primeira fissura no imaginário ingênuo daqueles que ainda acreditavam, em pleno século XXI, que o que é bom para os EEUU é bom para esta Selva de Papagaios.

Falo do seu sistema registral – com o perdão da expressão – em que tudo parecia ser muito simples,  rápido, eficiente  e econômico. Para muitos dos que atuam no mercado imobiliário tupiniquim, os modelos de securitização e sua base jurídica de segurança estrutural – sistemas de seguros de títulos e registros administrativos – eram tudo de bom.

“Amo tudo isso” – dizia o empolgado colega do crédito imobiliário, entre um Mac e uma taça generosa de café, macaqueando os players da Fannie Mae and Freddie Mac. Para ser moderno basta acreditar nessas entidades  e apostar na roleta de ações.

Pena que tudo isso deu sumiço e ruiu ruidosamente. Tudo muito ruim, seu moço!

Mas pra quem não conhece muito bem o sistema registral, com o abuso da expressão, recomendo a leitura da patética reportagem do Daily News, edição de 2 de dezembro de 2008It took 90 minutes for Daily News to ‘steal’ the Empire State Building.

Inacreditável: venderam o Empire State Building! E com o apoio de um  “notário” – notaram como uma vez mais é preciso metaforizar esta prosa?

Os 102 anos de história testemunharam o simulacro que consumiu alguns poucos minutos – preenchimento de formulários, atuação de notário e pimba! tudo muito simples, rápido, eficiente e econômico.

Pena que nada disso é seguro. Mas afinal, em tempos pós-modernos, em que tudo que é sólido desmancha no ar, em que a realidade é surpreendida por seus arremedos tecnológicos, para que segurança?

Depois de tentar, arriscar e fracassar, tente de novo: game over!

(Vale a pena ler a nota publicada no Último Segundo).

O “The New York Daily News” revela hoje em sua edição impressa como conseguiu obter a titularidade do edifício com a ajuda de documentos e notário falsos.

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O valor do registro

Parafraseando Philadelpho Azevedo, o valor do registro há de ser reconhecido pelos tribunais, cedo ou tarde.

Hoje à tarde, quando encerrava meu expediente no Registro Predial, deparei-me com a notícia veiculada no site do TRT de Minas Geral no dia 1/2/2008 – “contrato de promessa de compra e venda não faz prova da propriedade de bem penhorado”

Noticia o site que a desembargadora Deoclecia Amorelli Dias, da 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-MG) manteve sentença que determinou a penhora de um imóvel, cuja suposta aquisição pelo terceiro embargante ocorreu por meio de instrumento particular de compromisso de compra e venda não registrado em cartório de imóveis.

Os embargantes buscavan a nulidade da penhora com base em uma série de argumentos que foram afastados pela relatora.

O mais admirável no voto é que o argumento fundamental utilizado pela ilustre relatora é simplesmente irretorquível. Vale a transcrição:

“A propriedade imóvel transfere-se mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. Assim, enquanto não se proceder ao respectivo registro o alienante continua a ser havido como dono do imóvel (art. 1245 e parágrafo 1 do Código Civil). O compromisso de compra e venda de imóvel não inscrito no registro imobiliário não se trata de título oponível erga omnes, pelo que subsiste a penhora sobre o respectivo imóvel. Acrescente-se que o contrato de compra e venda de imóvel passa a ter validade contra todos somente a partir de seu registro no cartório de imóvel, conforme art. 167, inciso I, 09, da Lei 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos). Esse mesmo diploma legal, em seu art. 172, preceitua que: ‘no Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa, quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade’. A falta de comprovação do registro justifica a subsistência da penhora que recaiu sobre o bem imóvel em comento”.

A relatora coloca as coisas no seu devido eixo. Até mesmo a Súmula 84 do STJ, tão pouco compreendida em seus devidos termos, foi posta em discussão. A oposição de embargos pelo terceiro que se acha na posse é perfeitamente cabível, mas isso não elide o fato de que a transferência do domínio somente se dá com o competente registro junto ao registro imobiliário. Perfeito.

Somente um senão pode ser assinalado e criticado. Não é o simples fato de ter sido alienado o bem depois da propositura da ação que leva, automaticamente, à consideração de ocorrência de fraude à execução. Além da insolvência (requisito do art. 593, II, do CPC), circunstância, aliás, bem apontada pela relatora, é necessário que se dê publicidade do ato constritivo, no caso a penhora. Sem esse registro premonitório, a aquisição há de ser considerada de boa fé, salvo prova em sentido contrário.

De qualquer forma, é com renovado ânimo que todos nós recebemos a notícia de decisões tão bem fundamentadas e consentâneas com as melhores tradições de nosso Direito. (SJ)

00189-2008-073-03-00-0-AP
Agravantes: JOSÉ CARLOS PEREIRA FERREIRA E OUTRA
Agravados: 1) GLAYCE FRANCO MELO NOGUEIRA E 2) ESCOLA CRISTÃ BOAS NOVAS S/C LTDA.

EMENTA: EMBARGOS DE TERCEIRO. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. FALTA DE INSCRIÇÃO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO. PENHORA. POSSIBILIDADE. A propriedade imóvel transfere-se mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. Assim, enquanto não se proceder ao respectivo registro o alienante continua a ser havido como dono do imóvel (art. 1.245 e parágrafo 1o. do Código Civil). O compromisso de compra e venda de imóvel não inscrito no registro imobiliário não se trata de título oponível erga omnes, pelo que subsiste a penhora sobre o respectivo imóvel. Acrescente-se que o contrato de compra e venda de imóvel passa a ter validade contra todos somente a partir de seu registro no cartório de imóvel, conforme art. 167, inciso I, 09, da Lei 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos). A falta de comprovação do registro justifica a subsistência da penhora que recaiu sobre o bem imóvel.

Vistos etc.

RELATÓRIO

A 1a. Vara do Trabalho de Poços de Caldas/MG, sob a presidência do Juiz Delane Marcolino Ferreira, pela decisão de fls. 97/98, cujo relatório adoto e a este incorporo, julgou improcedente o pedido formulado nos embargos de terceiro opostos.

Os terceiros embargantes interpuseram agravo de petição (fls. 101/109), argüindo a preliminar de cerceamento de defesa. No mérito, aduzem que a penhora de fl. 30 não pode prevalecer, pois efetuada sobre imóvel de sua propriedade.

A exeqüente do processo principal opôs embargos de declaração (fl. 110), providos para sanar a omissão apontada, conforme decisão de fls. 112/113.

A obreira apresentou contraminuta às fls. 116/118, requerendo o pagamento de honorários advocatícios para o sindicato assistente.

A despeito de intimada (fl. 121), a segunda embargada não contraminutou o apelo.

Dispensada manifestação da Procuradoria Regional do Trabalho.

É o relatório.

VOTO
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Conheço do agravo e da contraminuta, porque satisfeitos os pressupostos de admissibilidade. Todavia, não conheço do pedido formulado em contraminuta pela primeira embargada de pagamento de honorários advocatícios para o sindicato assistente, por não ter sido vinculado mediante recurso próprio.

PRELIMINAR DE NULIDADE, POR CERCEAMENTO DE DEFESA

Os agravantes suscitam a preliminar em destaque, aduzindo que o Juízo de origem não permitiu que fosse produzida a prova de que eles detinham a posse do imóvel penhorado antes da propositura da ação principal. Invocam a seu favor o disposto na Súmula 84/STJ.

Sem razão.

No caso, os elementos probatórios constantes nos autos são suficientes para solucionar a controvérsia. Portanto, desnecessária a oitiva de testemunhas, porquanto as alegações iniciais tratam de questões que desafiam exame de matéria de direito e não de fato.

Por outro lado, não obstante a Súmula 84 do STJ ter firmado entendimento de que é possível a oposição de embargos de terceiro com supedâneo em posse advinda do compromisso de compra e venda do imóvel, ainda que sem registro, em sentido contrário preleciona a Súmula 621 do STF: “EMBARGOS DE TERCEIRO. PROMITENTE. Não enseja embargos de terceiro à penhora a promessa de compra e venda não inscrita no registro de imóveis”.

Portanto, segundo o princípio do livre e motivado convencimento, cogente em nosso ordenamento jurídico positivo, o juiz poderá se valer de quaisquer das provas constantes do processado para objetivar seu convencimento, desde que exponha os motivos determinantes de sua escolha (art. 131 do CPC), o que se deu na hipótese vertente.

Destarte, não se há falar em ofensa aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal.

Rejeito.

JUÍZO DE MÉRITO
FRAUDE À EXECUÇÃO – NULIDADE DA PENHORA

Os agravantes alegam que a penhora de fl. 30 efetuada sobre o lote de terreno não pode prevalecer, pois são os proprietários desse imóvel desde o dia 15/02/2006, como prova o contrato de promessa de compra e venda juntado aos autos. Asseveram que detêm a posse do imóvel em data anterior ao ajuizamento da ação principal. Sustentam que o bem penhorado não pertencia à reclamada Escola Cristã Boas Novas, mas sim, às ex-sócias Ana Ferreira Franco e Wilma Ferreira Franco, sendo que somente em 13/06/2007 foi declarada a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, razão pela qual não há que se falar em fraude à execução

Sem razão.

A propriedade imóvel transfere-se mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. Assim, enquanto não se proceder ao respectivo registro o alienante continua a ser havido como dono do imóvel (art. 1245 e parágrafo 1o. do Código Civil). O compromisso de compra e venda de imóvel não inscrito no registro imobiliário não se trata de título oponível erga omnes, pelo que subsiste a penhora sobre o respectivo imóvel. Acrescente-se que o contrato de compra e venda de imóvel passa a ter validade contra todos somente a partir de seu registro no cartório de imóvel, conforme art. 167, inciso I, 09, da Lei 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos). Esse mesmo diploma legal, em seu art. 172, preceitua que: “no Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa, quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade”. A falta de comprovação do registro justifica a subsistência da penhora que recaiu sobre o bem imóvel em comento.

Dessa forma, o instrumento particular de promessa de compra e venda (fls. 15/17), celebrado em 15/02/2006 pelos agravantes junto às executadas Ana Maria Franco e Wilma Ferreira Franco, dentre outros, não foi apto a transferir-lhes a propriedade, porquanto ausente a oponibilidade erga omnes, indispensável à insubsistência da constrição levada a efeito. Conseqüentemente, ineficaz o citado documento perante a exeqüente e o juízo da execução, devendo o imóvel penhorado responder normalmente pelas obrigações do devedor alienante. Registre-se que o contrato de fls. 15/17 apenas garante aos agravantes o direito de regresso sobre o valor pago ao real proprietário, em ação.

É certo que a Súmula 84 do STJ firmou o entendimento de que é possível a oposição de Embargos de Terceiro com supedâneo em posse advinda do compromisso de compra e venda do imóvel, ainda que sem registro. Entretanto, isso não significa que a transferência do domínio se dê sem o competente registro junto ao cartório imobiliário. Neste sentido, o que a referida Súmula permite é a discussão a respeito da posse do promissário comprador via embargos de terceiro (art. 1.046, parágrafo 1o. do CPC).

Dessa forma, a suposta aquisição da propriedade em 12/05/2006 (fls. 10/12) ocorreu após a propositura da ação que deu origem ao crédito executado (Processo no. 00391-2006-149-03-00-0 – ajuizada em 11/05/2006 – fl. 42), o que revela indícios de fraude à execução. Para a caracterização dessa, basta a transferência de patrimônio do devedor depois de proposta a ação, restando perquirir apenas acerca da capacidade de reduzir o devedor à insolvência (art. 593, II, do CPC). Vislumbram-se, portanto, a fraude à execução e a ineficácia da transferência do domínio. Assim, a pretensa posse dos agravantes, fundada em título não averbado, não afasta a constrição operada.

A questão concernente à assertiva no sentido de que a desconsideração da personalidade jurídica da reclamada Escola Cristã Boas Novas ocorreu em momento posterior à transferência do imóvel, em nada beneficia os recorrentes. Registre-se que o princípio da descaracterização da personalidade jurídica da segunda embargada foi aplicado nos autos da execução, conforme se verifica pela cópia do despacho de fls. 28/29, datado de 11/04/2007.

No entanto, declarada a fraude, não se há perquirir a boa ou má-fé do adquirente, sendo certo que, quanto ao devedor, a má-fé é presumida, salvo é claro em honrosas exceções.

Na hipótese vertente, declarada a fraude à execução, são ineficazes todas as alienações de bens das executadas feitas após o ajuizamento da ação trabalhista, mormente depois de formalmente incluídas as sócias da empresa na condição de executadas, em razão da desconsideração da personalidade jurídica.

Além do mais, o marco inicial da responsabilidade do sócio para se considerar como fraudulenta ou não a alienação do bem penhorado é o ajuizamento da ação trabalhista, e não a partir de quando a execução foi dirigida ao sócio (Inteligência do artigo 593, II, do CPC).

Outrossim, a referência à existência de bem de propriedade da devedora principal, sem qualquer prova, não tem o condão de validar a transferência do imóvel.

Destarte, correto o juiz da execução que julgou improcedentes os embargos de terceiro e manteve a penhora formalizada à f. 30 dos autos.

Nego provimento ao recurso.

FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,

O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Décima Turma, à unanimidade, conheceu do agravo e da contraminuta, mas não conheceu do pedido de honorários advocatícios formulado pela agravada em contraminuta, por não se tratar do meio processual adequado; sem divergência, rejeitou a preliminar de nulidade suscitada e, no mérito, negou-lhe provimento. Custas pelos agravantes, no importe de R$44,26, nos termos do art. 789-A/CLT.

Belo Horizonte, 22 de outubro de 2008.

DEOCLECIA AMORELLI DIAS
Desembargadora Relatora

Terra fria esquenta o mercado

Pode-se considerar histórica a fragilidade do sistema registral pátrio. A razão desse atraso institucional é singela e sempre foi perfeitamente conhecida pela doutrina especializada: o registro predial brasileiro se apóia no péssimo gerenciamento territorial decorrente de um mal funcionamento dos cadastros fundiários a cargo do Estado.

Quando a questão é a determinação física dos imóveis – papel desempenhado pelos cadastros físicos – o registro fica sem a sua contraparte autêntica. E à mingua de um bom cadastro, o Registro Imobiliário se rende às falsificações e leva a má fama pelos péssimos resultados que apresenta.

As investigações levadas a efeito pela Polícia Federal põem à mostra o que os profissionais do Registro e os juristas sabem há mais de um século: o problema das fraudes não se acha nos Cartórios, mas nas informações a cargo dos cadastros públicos. Usina de falsificações, produzem os documentos que vão fundamentar os registros. Que os Oficiais de Registro tenham culpa no cartório ou não, a Polícia Federal haverá de investigar.

O que importa é que a fraude se arma em titulação adulterada e certificada pelo Incra. Alguém ainda duvida de que o georreferenciamento colocará um elemento instabilizador na informações jurídicas que os cartórios proporcionam? Novilíngua matricial, o georreferenciamento é um código iniciático. Os registradores não são cartógrafos ou geodesistas e sempre vão argumentar que não entendem bulhufas da fieira interminável e intragável de variáveis matemáticas.

Estivessem os cadastros a cargo de profissionais integrando os quadros da administração delegada – como hoje estão os oficiais de registro – e os dados seriam ao menos fidedignos. Haveria responsabilização patrimonial direta desses profissionais.

Aliás, essa era a proposta que Afrânio de Carvalho apresentava a 12 de janeiro de 1948 ao Congresso Nacional. Versando sobre reforma agrária, o Projeto buscava conciliar duas instituições – cadastro e registro – o que seria um objetivo que o professor persegueria por toda a vida.

Esperanças baldadas, sonhos frustrados!

Quem duvida de que estamos inaugurando uma época de confusões, preste atenção na série de reportagens. Os cartórios entram no episódio como Pilatos no credo…

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Onã e o fideicomisso vicioso

Existem algumas fábulas que podem retratar a situação que hoje vivemos no interior das entidades que nos respresentam.

Não deixo de pensar que a mais impressiva delas é a passagem bíblica que nos relata como Onã, filho de Judá, recebe Tamar por esposa pela morte de Er, seu irmão. Diz Judá: “Vai, toma a mulher de teu irmão, cumpre teu dever de levirato e suscita uma posteridade a teu irmão”.

Judá pretende ligar os direitos de primogenitura que cabiam originalmente ao irmão. Se o casal gerasse um filho, a herança do primogênito a ele pertenceria; de outra forma, Onã ficaria com a primogenitura.

Um belo exemplo de um fideicomisso que se vê em Gênesis, Capítulo 38, versículos 7 a 10.

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Os ferreiros de Penafiel

O Velho anda de mal humor. Agora deu para implicar com os interinos e seus interesses.

O Dr. Ermitânio Prado senta praça e ativa a diatribe. Estava excitado e declarou, tonitroante:

“Os artífices da PEC 471 rumoram em Murdor. Ouvem-se resfôlegos excitados e tremuras ansiosas.

São os seres mitológicos que habitam as entranhas da terra e que nos emitem renovado sinal de vida.

Os seres telúricos são assim: falam-nos por símbolos metalúrgicos. Agitam suas lâminas e numismas nas antecâmaras de térmites políticas e administrativas. E sempre falam o que lhes parece a verdade, nada mais do que a verdade, simplesmente a verdade. E se preciso juram, conjuram e exconjuram os onzeneiros da fé pública – no que têm razão, o que mostra que a Verdade nos escapa como um lusco-fusco nas tardes radiosas da Tanzânia.

“Um estranho fenômeno está ocorrendo em todo o Brasil em relação aos cartórios”, diz a message in a bottle. [já não existe. Malditos links]. E segue:

“Alguns candidatos que venceram concursos públicos para o preenchimento de vagas de titulares abertas com a exigência do concurso público, só assumem a vaga caso o cartório seja rentável”.

Na linguagem ditosa de seres em extinção a voz da interinidade nos fala direto ao coração: “indústria dos cartórios”. E segue:

“O candidato passa nos exames e assume a vaga. Logo depois substabelece para um substituto de sua confiança e em seguida presta outro concurso para mais um cartório, formando assim uma rede de cartórios sob seu controle”.

A Comissão de Concursos da AnoregSP excogita: http://www.anoregsp.org.br/BE/BE0065. [já não existe. Malditos links] Huyen como el Diablo a la cruz. De todo lo hay, hermano, de todo…

Advinho a voz indignada da interina: “há casos em que o concursado sequer assume devido a baixa rentabilidade do cartório como são os casos dos cartórios de Eldorado do Carajás e Curionópolis, onde os candidatos vencedores do certame simplesmente não quiseram assumir o cargo e o edital não permite que o 2º colocado assuma a vaga e cujo cartório permanece com a vaga de tabelião em aberto”.

A tabeliã parece nos lembrar que, afinal, a nossa própria vida é… interina! Como os ferreiros de Penafiel, as almas interinas aguardam o apagar do último candeeiro.

As entidades de defesa dos concursos escondem a verdadeira jóia da coroa: parafraseando Frank Zappa, sabem que o lema da legião concurseira é we’re only in it for the money.

Ao que logo replicam os replicantes pardacentos: Yes, we have bananas!”.

Assim é o Velho. Intragável.

Bahia – a desestatização que virou notícia

Muitas das iniciativas que são tomadas em prol da atividade notarial e registral nascem sem que se saiba quem são os seus verdadeiros artífices.

A desestatização dos cartórios da Bahia mereceu as manchetes dos blogues, listas de discussões, imprensa, etc. e muitos de nós não sabemos que essa obra é genuinamente coletiva.

Muito se tem dito a respeito do trabalho eficaz da Andecc e das entidades que lutam pelo aperfeiçoamento dos serviços e das formas de acesso à atividade.

Contudo, um documento foi decisivo para as importantes decisões tomadas no âmbito do CNJ e peça chave para as discussões. O Observatório publica aqui o tal documento para conhecimento dos colegas e da sociedade informada.

A finalidade do estudo, encomendado pela AnoregBR, por seu presidente Rogério Portugal Bacellar, foi a de apresentar uma proposta auto-sustentável para modernização dos Serviços Notariais e Registrais da Bahia.

Vale a pena ler o texto para que se saiba que há um esforço diligente e concentrado de muitos colegas para que essa chaga social, representada pelos péssimos serviços notariais e registrais prestados à sociedade baiana, possa, quem sabe, um dia, ser curada.

O elefante de Ghor

Já usamos e abusamos da metáfora dervische do Elefante de Ghor em várias ocasiões e para várias finalidades. Ela continua sendo uma boa imagem para representar a olímpica ignorância a respeito da natureza dos cartórios e de sua peculiar situação no seio da sociedade brasileira. A descrição que nos oferecem os nossos interlocutores levam a uma deformação assustadora. Vejamos.

A audiência ocorrida ontem na Câmara Federal (texto abaixo) nos presenteou, afinal, com um painel de nitidez estonteante acerca não dos serviços notariais e registrais pátrios, mas da visão distorcida que se tem da atividade. São verdadeiros cegos descrevendo algo que simplesmente desconhecem.

Se a reportagem da Câmara está correta – e via de regra o jornalismo da Casa é muito competente – as críticas podem ser enfeixadas em uns poucos tópicos:

1) – Registros gratuitos. Segundo André Luiz Alves de Melo, “nas cidades mais pobres do interior, apenas 10% das pessoas que solicitam certidões gratuitas são atendidos”.

2) – Acervo notarial, nos casos de morte, renúncia ou perda da delegação pública do titular do cartório.

3) – Subsídio de pequenas serventias por cartórios mais rentáveis.

4) – 8 milhões de sem-registro.

5) – Fiscalização – Judiciário ou Associações de defesa de consumidores?

A conclusão a que se chega é desconcertante: os reais problemas da atividade não foram minimamente percebidos! A audiência pública serviu para que os interlocutores revoluteassem, às cegas, tonteados pelo brilhareco fugaz e enganador de quem convocou a troupe loquaz.

O mais perturbador disso tudo, entretanto, é perceber que as conclusões a que chegaram – que poderão fundamentar sugestões de reforma do sistema – partem de premissas falsas, descoladas da realidade. O próprio Decreto sem número, sem nome, sem sentido de 22 de outubro de 2008 está fulminado pelo mesmo erro essencial: entre os membros da comissão não se acha qualquer notário e registrador. Os cegos de Ghor vão descrever o elefante!

As (falsas) questões são fáceis de serem arrostadas. Neste blogue serão encontradas, com um pouco de paciência, respostas a todas elas.

Vale a pena conhecer os detalhes dos debates, mais uma daquelas inúteis atividades que justificam um republicanismo ingênuo e de fachada. Continuar lendo

Albergado nos céus

Antônio Albergaria PereiraAgnóstico confesso. Escriba perfeito que implicava com as explicações fáceis, recalcitrava energicamente quando estava em causa a fé pública. Um tabelião-paladino que enfrentava os registradores (e os juízes) com a pena altaneira e sempre qualificada.

Custo a crer que Antônio Albergaria Pereira tenha partido. Eu o supunha eterno tão só por encarnar, como ninguém, os atributos de um bom profissional, notário ímpar, tabelião de lídima cepa. Um homem além de seu tempo, logo se viu em seu tempo. Continuar lendo