Estrangeiros – aquisição de imóveis rurais ganha obstáculos

Tú no vives más aquí - Gabriel Lema*

A Folha de São Paulo de hoje (2/11/2010, p. A4), em reportagem de Fernanda Odilla, traz importante informação a respeito do crescimento nas taxas de aquisição de imóveis por estrangeiros em todo o país.

Segundo a reportagem, em menos de três anos houve um crescimento do fenômeno em todo o território nacional, em razão dos grandes atrativos que o país oferece aos investidores estrangeiros.

A questão que nos chama a atenção – à parte o incremento nas aquisições – é a existência de uma minuta de projeto que aumenta o controle na aquisição de terras brasileiras por estrangeiros. Segundo a Folha, a última versão já se acha pronta no Palácio do Planalto, pendente de exame de alguns detalhes pela AGU – Advocacia Geral da União.

O projeto, além de tratar da delicada questão dos terrenos de marinha e de territórios de fronteira, visa a aumentar as exigências burocráticas para a aquisição, a fim de combater os “laranjas”.

Aqui entram os Registros de Imóveis e seus Oficiais.

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Competência notarial em discussão

Cartório de Brasília contesta decisão que estendeu aos Cartórios de Notas a competência para protestar títulos

A titular do 1º Ofício de Protestos de Brasília, Ionara Pachedo de Lacerda Gaioso, ajuizou, no Supremo Tribunal Federal (STF), a Suspensão de Segurança (SS) 4284, em que pede a suspensão de acórdão (decisão colegiada) proferido em  mandado de segurança pelo Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), reconhecendo aos Cartórios de Notas de Brasília a competência para também protestar títulos.

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Gratuidades – mais do mesmo

No post de ontem, aludi a uma importante decisão da Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo em que se discutia a necessidade de pagamento dos honorários do perito, embora gozasse, a parte, dos benefícios da assistência judiciária gratuita.

O tema é delicado e tem rendido inúmeros comentários nas redes e listas de discussões técnicas. Depois de postar o teor da decisão abaixo, recebi email de um advogado especializado em regularização fundiária. Como especialista que é, destaca que as decisões, como as que divulgamos abaixo, têm inviabilizado a consumação da aquisição de pequenas propriedades, frustrando, assim, as legítimas expectativas dos usucapientes.

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Gratuidades: a mágica rende boa literatura, não instituições sólidas

A questão das gratuidades, que se difundiu pela sociedade brasileira como uma praga embalada por boas intenções, apresenta seus deletérios efeitos no emperramento das iniciativas que a sua criação visara justamente impulsionar.

No fundo, trata-se de uma equação muito singela e a melhor expressão de sua ocorrência foi posta em circulação por James Carville na célebre campanha de Clinton: it´s economy, stupid!

Neste caldo de cultura macunaímica, onde os recursos parecem brotar espontâneos como frutos na bananeira, não se consegue conceber as políticas públicas como um fenômeno causal, resultado de um cálculo político-econômico bem balanceado. Tudo parece se materializar magicamente, como um epifenômeno da natureza, emanação e virtude essencial da singular nacionalidade da providência.

À parte, por suposto, a esperteza dos que se beneficiam diretamente dessa fancaria e do aproveitamento interessado da propaganda política, o que resta é uma alarmante ingenuidade daqueles a quem se encarregou a gestão da coisa pública.

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Cinder entrevista editor do OR

Sérgio Jacomino
Sérgio Jacomino

O registrador Sérgio Jacomino, editor deste blog, foi entrevistado pelo Secretário-Geral do Cinder – Centro Internacional de Direito Registral, D. Enrique Rajoy Brey, entidade com sede em Madri, Espanha, com o propósito de veicular o próximo encontro da entidade, que será sediado em Lima, Peru.

Confira os principais trechos abaixo.

1 – Qual é a situação atual do Registro em seu país?

A situação no Brasil pode ser resumida numa só palavra: mutação. O Registro da Propriedade nasceu neste país em 1846 e nunca experimentou, ao longo da última centúria e meia, tantos riscos e ameaças de subversão de seus postulados essenciais quanto agora. Paradoxalmente, nunca se divisou tão grandes possibilidades de transformação e aperfeiçoamento também. Não resisto à tentação de substituir o dístico positivista da bandeira nacional, que reza “ordem e progresso”, por outro, muito adequado nesta quadra da história brasileira:  “oportunidade e risco”.  São desafios que se põem à porta do registro e do registrador brasileiros no limiar do século XXI. A chave para abrir ou fechar todas essas portas chama-se “tecnologia”…

2-   Existem mudanças legislativas que possam afetar o Registro em seu país?

Vivemos em toda a parte e em todos os níveis da Federação o inferno da inflação legislativa – profusão de leis inorgânicas, disfuncionais, assistemáticas, que parecem obedecer unicamente à fúria legiferante e à lógica regulatória do Estado brasileiro contemporâneo, que ultrapassa limites tradicionais e abarca relevantes espaços políticos da sociedade civil. No nosso caso, há a crise regulamentar dos Registros da Propriedade, com a atividade sendo disputada por órgãos da administração pública. O risco que se antevê é o da captura do Registro pelos estritos interesses do Estado, já que, tradicionalmente, o registro imobiliário se acomodou no generoso veio da tutela pública dos interesses privados, de onde, possivelmente, não se deveria retirar.

3-   Que outras mudanças o Sr. antevê?

Avistam-se mudanças que vêm no bojo das complexas transformações políticas e sociais que se aceleraram com a economia global interdependente. O Registro brasileiro foi criado a partir de uma lógica organizativa que pode ser qualificada como a de um modelo basicamente atomizado. As razões dessa atomização são bem conhecidas e definidas. Agora, passamos por um processo de “molecularização” dos Registros brasileiros, com a interconexão da instituição registral não só pela articulação de suas várias frontes, espalhadas pelos 8 milhões e meio de quilômetros quadrados do nosso território, mas agregando, na malha lógica registral, todos os demais órgãos da administração pública e do mercado. Enfim, os inputs e outputs do sistema, espalhados pelo país, são a parte visível de um complexo organismo que se regenera a partir de novas tecnologias. O que será este novo Registro? Com base nas redes eletrônicas, pode-se afirmar que estamos em face de um admirável mundo novo, já que todo o suporte para o trânsito de informação não apenas suporta e conduz, mas traduz e transforma o transmissor, o receptor e a própria mensagem, como terá dito Marshall McLUHAN em seu conhecido Understandig media. Quod non est in retes non est in mundo!

4-   Como qualificaria a relação que os registradores brasileiros mantêm com a Espanha?

A Espanha é um caso de amor e paixão. Nós somos latinos e recebemos das Espanhas nossa substância essencial – nossa língua, nossa cultura jurídica. A Espanha se transformou num belíssimo exemplo de capacidade de regeneração com respostas muito adequadas aos desafios impostos pela pós-modernidade. Todos nós aprendemos com os excelentes doutrinadores espanhóis na abertura dos estritos limites da dogmática registral para enfrentar fenômenos jurídico-sociais importantes – como defesa do consumidor, tutela do meio ambiente, função econômica da instituição, etc.; enfim, o Registro foi alçado a importante ator coadjuvante, atuando na tutela e proteção de interesses e urbanísticos, ambientais, fiscais, consumeristas, etc. Mais do que a cura dos aspectos estático e dinâmico do direito de propriedade, o Registro engastou-se no movimento que propugna novas dimensões para os direitos das propriedades, no plural. Essa inflexão levou o Registro a abrir-se para a modernidade, ao mesmo tempo em que nos levou a abandonar a obsolescência de estruturas formais quando descoladas de necessidades econômicas e sociais muito concretas.

5-   O CINDER tratará no próximo Congresso do tema da propiedade. Quais são, em sua opinião, os problemas mais importantes que se apresentam eu seu país?

Nada mais atual do que tratar do fenômeno social e econômico mais importante das sociedades contemporâneas: as propriedades. Falo no plural, como deve ser, já que estamos diante um fenômeno proteiforme, que se transforma em decorrência de circunstâncias sociais e econômicas peculiares. Há um núcleo duro que se aninha sob as formas variáveis das propriedades – no que se constitui? A propriedade é um corolário da liberdade?  Qu’est-ce que la propriété? O temário desta edição do Cinder é político e deve recolocar os registradores no coração do debate político que se trava no seio da sociedade. No caso do Brasil, vivemos com o fenômeno da flexibilização e relativização dos conceitos relacionados com a propriedade e com o exercício desse direito fundamental. Os sentidos dos tipos legais migram no interior do corpo legislativo, transitando do Código Penal, passando pelo Código Civil até a Constituição… O que antes era simples esbulho, logo se transformou em direito. O que até bem pouco era mera violência, com invasão de propriedades públicas e privadas, hoje pode ser vista como legítimas ocupações escudadas em direito à habitação, constitucionalmente garantido. De que propriedades estaremos falando? Esses fatos sociais batem à porta dos Registros em forma de regularização fundiária, instaurando conflitos abertos cuja dirimição não é tarefa fácil, pois esbarra em valores constitucionalmente garantidos. Enfim, os registradores, profissionais do Direito, não poderemos nos furtar de dar respostas consistentes a esses inúmeros desafios.

O par de um e a publicidade envergonhada

Não deixa de ser curiosa a disposição contida no Provimento da Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal  do Mato Grosso do Sul  que dispôs sobre a lavratura de escritura pública declaratória de convivência de união homoafetiva.

Trata-se do Provimento 36/2010, baixado pelo Corregedor-Geral de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, republicado na data de ontem (9/6) por incorreção.

Haverá de gerar polêmica o artigo 5º do ato normativo:

Art. 5º. Recomenda-se que o tabelião disponibilize uma sala ou um ambiente reservado e discreto para atendimento das partes;

Se bem apanho o sentido da norma, visou-se a preservação e proteção do par contratante, livrando-o do olhar supostamente discriminatório da sociedade.

Mas o resultado pode ser a radicalização do preconceito por investir numa discriminação que talvez nem mesmo os conviventes desejassem.

Tempos modernos, esses. Vamos ver como o TJMS reage às críticas que se advinham.

Concursos exigem moralidade e impessoalidade

Chuvas de Verão - Cacá Diegues

O CNJ acaba de decidir pela anulação do XLI Concurso Público para Admissão nas Atividades Notariais e Registrais da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

O motivo é singelo e está na raiz de uma multidão interminável de escândalos: tórridos afetos.

Segundo o Conselheiro Relator, Dr. José Adonis Callou de Araújo Sá,  “é incompatível com os princípios da moralidade e da impessoalidade a participação do Corregedor-Geral de Justiça como presidente da comissão examinadora de concurso do qual participe como candidata pessoa com quem manteve íntima e duradoura relação. As muitas evidências de parcialidade da comissão examinadora autorizam a convicção de que houve favorecimento a duas candidatas na correção das questões da prova subjetiva”.

Julgado procedente o pedido, decidiu-se anular o dito Concurso Público.

Talvez não houvesse outra saída mesmo, supostas as evidências veementes percebidas e apontadas no relatório. Mas não deixa de ser pertubador que a imensa maioria dos candidatos esteve longe de se enamorar da banca  e de se aninhar no tépido tálamo do poder.

Coloco-me no lugar desses pobres diabos e chego a ter calafrios. Imagine submeter-se a um novo certame em virtude de uma avassaladora “chuva de verão”?

Vai aqui a íntegra da decisão: Procedimento de Controle Administrativo 0000110-14.2009.2.00.0000

Sesmarias – releituras ensimesmadas

A sesmaria expandiu-se do pequeno solar lusitano e colheu os trópicos com fulgor e vitalidade. A trajetória dessa estrela singular está cravejada em velhas cartas cifradas.

A História é uma espécie de circum-navegação – por isso infinita. Os instrumentos aqui são pura instrução ou extrusão. Sempre há uma admirável terra adéspota… Invente-as, se puder!

Esta manhã sombria deu-me de ensimesmar. Com Virgínia Rau conheço um pouco mais de D. Fernando. Percorro as leis fernandinas pelo traço delicioso do grande tabelião português Fernão Lopes. As sesmarias terão desaparecido do ordenamento civil português e o instituto desponta no meu horizonte como um “fanal bruxuleante”….

Falo de intuição como dela diriam Capistrano de Abreu e Virgínia Rau. Para ela, os índices de monumentos medievais eram “fanais bruxuleantes”. Guiou-se a historiadora “mais por intuição”. Uê! Uê! Leva-me e lava-me dos preconceitos!

As universidades nunca foram tão necessárias neste mundo de particularismos abismosos. Não se compreendem as sesmarias a partir do monóculo jurídico. Por uma panóplia das humanidades!

Aqui está a figura de Fernandus Lopi, nosso grande Fernão Lopes, que nos legou fidedignas crônicas dos reis portugueses. Tenho uma gravura do grande tabelião no meu escritório a lembrar-me, dia após dia, que o nosso compromisso é com a verdade dos documentos; do que damos fé!

Sempre me deparo com as gemas linguísticas. Pensava que o emolumento é um fato econômico natural, retributivo de uma efetiva prestação. Natural como o pão e a cevada (e a cerveja…). Como o moleiro e sua mole. Emolumento vem de molere frumentum, que é a paga natural pela moagem do grão. Os latinos sabiam das coisas!

Publicidade registral e direito à privacidade

Fernando P. Méndez González

O OR entrevista nesta semana o registrador e ex-decano do Colégio de Registradores da Espanha, D. Fernando Méndez González.

Registrador em Barcelona, Fernando Méndez González é uma autoridade mundial em temas de registros públicos. Foi decano do Colégio de Registradores de Espanha em período em que os registros prediais naquele país passavam por enormes dificuldades. Sob sua batuta, o corpo de registradores soube enfrentar os desafios e robusteceu, ainda mais, o paradigmático serviço registral espanhol.

Conheça a opinião de Fernando Méndez González sobre temas atuais de publicidade registral e direito à privacidade.

Observatório do Registro – Recentemente, a EuropaPress veiculou nota em que a Associação de Defesa dos Usuários dos Registros Públicos (Audrp) apresentou uma denúncia à Agência Espanhola de Proteção de Dados contra o Colégio de Registradores, “por facilitar dados de caráter pessoal a terceiros, via internet”. A questão nuclear reside na emissão de notas informativas sem comprovação do legítimo interesse e justificação da rogação.

Fernando Méndez: Como se sabe, os notários espanhóis pretendem sobreviver à custa de se apropriarem das funções registrais. A função de qualificação registral, por exemplo, é alvejada sob o argumento de que haveria uma “dúplice qualificação”, já que o notário exerce um exame de legalidade e o registrador se superpõe a ela. Se os notários pudessem qualificar os títulos, em realidade seriam eles os registradores. Ademais,  seriam os autores intelectuais do ato de registro, reduzindo os registradores a meros mecanógrafos ou amanuenses…

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Cartas ao Edésio

Caro E.

Aí está você, caro amigo. Imbatível, infatigável, incorruptível… Despacha azafamado suas cartas urbanas, gizando uma cartografia humana e social apinhada de significados. Desce a ladeira lotado, esparramando sentidos!

Stansfield, William. "Hamlet Revisited. How Evolution Really Works." Skeptic Society.

Eu estou aqui mesmo – cansado, com a boca escancarada e cheia de dentes, esperando a banda passar.

Dr. Ermitânio sempre me diz, num abuso de sua paráfrase predileta: “é preciso matar a morte!”. Quando desafiado, emparedado por alguma charada metafísica, brada: “matar-me podes; mais do que isso, não!”.

Acho que nunca lhe apresentei o velho Ermitânio Prado. Ao meu lado cochila, esparramado na cadeira Sheriff. Subiu embalado pelas gotinhas que caem nesta manhã plúmbea. Esquece da gota, que tanto o flagela.

Dr. Ermitânio Prado, advogado e sócio fundador do Clube Inglês, instalado por longos anos no casarão que pertenceu à D. Veridiana – agora um prédio qualquer cadastrado e tombado pelo Condephaat e que já não serve pra mais nada… Velho empedernido, conselheiro do Jockey, leitor das Seleções Reader´s Digest. Ultimamente anda aborrecido com as teses de doutorado de história – papelada a que se dedica com furor de enciclopedista. Pesquisa a nossa Medicina Animæ à busca de laivos, mais do que livros, como quem cata piolhos.

O Leão do Jockey se aborrece com as teses de história. Sempre diz que é jornal de anteontem que jamais foi publicado e brada de seu estrado: “O Eldorado das ciências históricas é o derruimento babélico dos sentidos pela construção de uma novilingua!”.

Sobre as categorias do materialismo dialético, implica:

– A chave geral é tão útil para o sistema quanto fornicar uma rameira para manter sua virgindade! A categoria das categorias, o princípio mais principal das ciências sociais, é sua chave essencial em busca de uma fechadura que jamais se fecha!

Revoluteia perigosamente a bengala e a aponta em riste:

– Fechadura que não se fecha nem se abre! Falsidade solerte! Nem é fechadura; nem abertura. É certa ciência que sonha que é chave e fechadura em si mesma!

Para ele, a academia excretou uma história pretensiosa: “com suas categorias alquímicas, transubstanciou os sentidos e fez o ouro dos tolos”.

Desfere um golpe certeiro com o bastão adornado e encara ameaçadoramente o maço de papel borrado de história.

Penso que a história já era!