Instrumentos particulares, títulos digitalizados – requisitos técnicos. As reformas sucessivas da Lei 14.382/2022

O advento da Lei 14.382/2022 representou o despontar de um novo paradigma no sistema registral pátrio: a ereção do Registro de Documentos (ou menos que isso: registro de meras indicações eletrônicas), em oposição ao chamado Registro de Direitos, modelo adotado no Brasil desde as origens da publicidade hipotecária, em 1846, filiado às matrizes da Europa Continental[1]. O SREI – Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis vinha se estruturando, aperfeiçoando e modernizando sob os auspícios de um seleto grupo de registradores com a supervisão e coordenação do CNJ[2].

Lamentavelmente, as iniciativas foram colhidas por uma medida provisória (MP 1.085/2021) que nos brindou muitas e profundas mudanças, algumas muito boas, outras nem tanto. Como temos buscado demonstrar na série de artigos publicados no site Migalhas Notariais e Registrais, para nossa sorte (ou azar) ficamos a meio caminho das reformas pretendidas por seus protagonistas. A razão é simples: não se reforma uma instituição multissecular a partir de impulsos de açodado furor reformista[3]. Temos agora uma central de centrais (SERP) que a muito custo busca se estruturar. É um modelo manco e imperfeito, falto de referências a que pudesse se filiar de molde a alicerçar a propalada “modernização” do sistema registral pátrio. [ íntegra].

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CNJ. 11ª Sessão Ordinária de 2023 – Alienação Fiduciária – escritura pública

CNJ – 11ª Sessão Ordinária de 2023, 8 de agosto de 2023 (tarde).

Neste dia, discutiu-se o PCA contra ato do TJMG que exige a escritura pública para a contratação da alienação fiduciária de bens imóveis quando o negócio for celebrado foram do contexto do SFI – Sistema Financeira da Habitação.

PCA 0000145-56.2018.2.00.0000, Minas Gerais, j. 8/8/2023, DJe 10/8/2023, rel. Cons. Mário Goulart Maia.

Instrumento particular. Título inscritível – certidão de RTD.

Dando seguimento aos debates técnicos e práticos da nossa Oficina Notarial e Registral (Migalhas Notariais e Registrais), apresento-lhes um caso interessante de apresentação a registro de título consistente de certidão expedida pelo Registro de Títulos e Documentos de instrumento particular ali registrado.

O assunto não é exatamente inédito. Há precedentes que apontam a uma orientação já pacificada no âmbito da justiça registral. O que chama a atenção, na verdade, é a viragem representada pela reforma da Lei de Registros Públicos pelo advento da Lei 14.382/2022. Como veremos mais à frente, o novo marco legal pode levar a uma rediscussão dos temas postos na dúvida suscitada, afinal julgada procedente, razão pela qual a veiculo por aqui.

Vamos ao caso concreto.

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Cédula rural – aditivo por escritura pública

Kollemata - jurisprudênciaAs alterações nas condições do crédito por meio de aditivo à cédula de crédito pignoratícia e hipotecária somente se podem formalizar por instrumento particular?

Nas duas decisões da CGJSP, que se podem acessar abaixo, o tema foi posto em discussão.

Credor e devedor pactuaram alterações nas condições do crédito, alterando, portanto, o instrumento original – uma cédula de crédito pignoratícia e hipotecária já registrada. Todavia, fizeram-no por instrumento público – o que ocasionou a devolução do título pelo registrador, fundado na legislação específica, já que a escritura pública não pode ser considerada um aditivo cedular.

É preciso considerar, contudo, que os títulos de crédito, nos dias que correm, quando cartulares, são logo convertidos em informações eletrônicas (cédulas escriturais) e assim circulam. Pergunta-se: poderíamos nos fiar excessivamente na literalidade dos diplomas legais da década de 60, que impunham uma forma rígida para os títulos de crédito, para assim denegar o acesso do aditivo celebrado por escritura pública?

Além de os títulos de crédito hoje circularem por meios eletrônicos, os aditivos retificativos são consolidados nas informações que constam de bases de dados de sistemas de registro e liquidação financeira de títulos privados – entidades autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.

Portanto, terá havido um excessivo apego formal à literalidade da lei? O próprio parecerista parece ter se questionado, mas, logo em seguida responde:

Não se prega aqui um apego excessivo a forma. Apenas quer se evitar que a cédula de crédito rural, que circula por endosso (artigo 10 do Decreto-Lei nº 167/67) e cujos requisitos são estabelecidos em lei, contenha aditivo totalmente fora do padrão, prejudicando a certeza e a liquidez que devem caracterizar os títulos de crédito.

Seja como for, a CGJSP já se pronunciou a respeito e cabe aos registradores bandeirantes levar o precedente em atenta consideração.

Um último comentário calha aqui. O r. parecer reitera o que parece ser indubitável e fora de dúvida: a escritura tabelioa pode e deve ser qualificada pelo registrador:

Frise-se, por fim, que o fato de a escritura ter sido lavrada por Tabelião não confere ao título status especial que o faça prescindir da qualificação do registrador. Como qualquer outro – a exemplo até mesmo dos títulos judiciais – a escritura pública somente será registrada após passar por prévio juízo de legalidade feito pelo Oficial.

Mudança dos ventos

Posteriormente à publicação desta nótula, a 7/3/2016 a CGJSP alteraria seu entendimento. Assim, como decidido no Processo CG 12.308/2016, Ituverava, a escritura pública será admitida. Diz o parecerista:

Imperioso lançar uma observação sobre precedentes que receberam solução diversa da Corregedoria, apesar da similitude dos fatos analisados. Os casos repetitivos costumam prolongar o estado de reflexão dos juízes sobre a matéria discutida e pode ocorrer, pela própria evolução do debate que se engrandece a cada argumentação, uma mudança de pensamento. Foi o que sucedeu na hipótese, até porque a decisão tomada anteriormente e que secundariza os efeitos da escritura pública como título perfeito para consagrar a vontade dos interessados, irradiava uma ponta de dúvida no espírito do julgador preocupado com a repercussão dos pronunciamentos sobre a garantia jurídica dos negócios jurídicos.  A nova e diferente decisão é fruto do amadurecimento e não representa contradição ou incoerência.(Processo CG 12.308/2016, Ituverava, dec. de 7/3/2016, DJe 14/3/2016, des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, a escritura pública será admitida).

Precedentes: