Alienação fiduciária de bem imóvel

Questões relativas à consolidação da propriedade na hipótese de múltiplos imóveis em garantia de negócio jurídico único. Mauro Antônio Rocha [1]

  1. Introdução

É cada vez mais frequente que, no fornecimento de bens ou serviços para pagamento futuro, na concessão de empréstimos ou no financiamento para a aquisição dos referidos bens e serviços, o credor exija a constituição de garantia real da dívida, notadamente por alienação fiduciária, muitas vezes demandando a oneração concomitante de diversos imóveis de propriedade do devedor ou de terceiros garantidores.

Parece-nos já não existir entrave ou dúvida quanto à legalidade da constituição de propriedade fiduciária sobre múltiplos imóveis em garantia de negócio jurídico único.

Entretanto, persiste a negativa de alguns registradores de imóveis quanto a aceitar a determinação prévia do percentual de garantia atribuído a cada um dos imóveis em relação à dívida total – juntamente com algumas outras questões decorrentes de equívocos doutrinários e interpretação incorreta da lei, em detrimento da celeridade na recuperação dos créditos a emperrar o fluxo dos negócios financeiros e comerciais. Continuar lendo

Usucapião extrajudicial – nullum gratuitum prandium

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A decisão que pode ver aqui: Processo 1072167-67.2015.8.26.0100, de 15/3/2016, de lavra do Dr. Paulo César Batista dos Santos, é emblemática dos problemas que todos advinham para o processo de usucapião extrajudicial.

O digno magistrado corajosamente, ressalvando sua convicção pessoal, põe de manifesto o nó górdio do problema: a parte, beneficiária da justiça gratuita, deveria arcar com o valor das despesas para confecção da prova pericial, imprescindível ao julgamento do feito, realizada em seu total benefício.

Segundo o magistrado, a perícia de engenharia, na ação de usucapião, é das mais complexas e onerosas, de modo que o valor pago pela Defensoria Pública, incontestavelmente, não é suficiente para custear as despesas periciais, não sendo razoável aviltar o trabalho pericial com contraprestação desproporcional.

O ressarcimento das despesas tidas com a execução do trabalho visa ao reembolso de materiais, transporte, fotos etc., que não são abrangidos pela gratuidade e não significam acréscimo patrimonial ao expert.

Quem arcará com tais despesas? O estado não o faz; a parte tem o seu direito consagrado na lei e ratificado pelo entendimento majoritário dos tribunais. Como ficam essas ações em que a parte não se dispõe a pagar a perícia? O Estado não provê os recursos; o perito não se submete à situação. Como ficam essas ações? Dormitarão no limbo?

O fenômeno não é novo. Afinal, there ain’t no such thing as a free lunch!

Confiram:

1. Algo está fora da ordem emolumentar. Sérgio Jacomino.
2. Gratuidades – chegaremos aos limites da razoabilidade? Sérgio Jacomino.

Simulação e a qualificação registral – bis

Neste mesmo blogue lançamos a seguinte questão: pode o registrador qualificar um título de venda e compra, de extração notarial, e impedir o seu acesso baseado em elementos que levam à convicção de tratar-se de simulação? O texto pode ser visto aqui.

Posteriormente, no DJe de 12.9.2016, a Corregedoria-Geral de Justiça de São Paulo foi instada a decidir um caso em que o tema da ocorrência de eventual simulação foi enfrentado e a decisão, neste caso concreto, foi em sentido contrário à anteriormente debatida.

Façamos desde logo uma advertência. Não se trata, aqui, de censurar ou de criticar as decisões que os registradores, em sua ordem, tomaram no exercício regular de sua função. Ambas as posições são respeitáveis. A lei garante a independência jurídica do profissional do direito que atua na qualificação dos títulos (art. 28 c.c. art. 3º da Lei 8.935/1994). O objetivo destas breves considerações é eminentemente acadêmico.

O tabelião de notas e o registrador imobiliário devem deter-se, antes da prática de atos de seu ofício, diante de “fundados indícios de fraude à lei, prejuízo às partes, ou dúvidas sobre as manifestações de vontade”. É a dicção das Normas de Serviço de São Paulo. Não será bastante a suspeita fundada em impressões subjetivas – tanto do notário quanto do registrador.

No caso em tela, o fato de terem sido firmados os instrumentos notariais em dias consecutivos não é motivo suficiente para configurar os “fundados indícios” de fraude à lei. “Não se descarta, frise-se, a possibilidade de ter havido simulação. Porém, não compete ao Sr. Oficial investigar elementos subjetivos inerentes à formação do título”, decidiu a CGJSP.

A r. decisão traz à balha o escólio de Narciso Orlandi Neto:

“Problemas relativos ao consentimento das partes dizem respeito ao título, tanto quanto sua representação e a elaboração material do instrumento. Assim, se houve fraude, se a assinatura do transmitente foi falsificada, se o instrumento público não consta dos livros de nenhum notário, se a procuração que serviu na representação de uma das partes é falsa, se o consentimento do alienante foi obtido com violência, são todos problemas atinentes ao título. Podem afetar o registro, mas obliquamente. Só podem determinar o cancelamento do registro, em cumprimento de sentença que declare a nulidade do título e, em conseqüência, do registro.” (Retificação do Registro de Imóveis, Ed. Oliveira Mendes, pág. 192).

O tema é atual e merece dedicada atenção dos profissionais da fé pública.

Procedimento administrativo disciplinar. Tabelião de Notas. Falta funcional. Simulação – vício de consentimento.

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – Suposta simulação contratual, como forma de violar direitos sucessórios – Não cabe ao Sr. Oficial fazer análise minudente das declarações de vontade dos contratantes. Eventual simulação há de ser alegada em vias ordinárias, não se podendo impor ao Sr. Oficial que obstasse o registro. Recurso Desprovido. (Processo CG 0012232-84.2014.8.26.0606, Suzano, j. 9/8/2016, DJe 12/9/2016, des. Manoel de Queiroz Pereira Calças).

Dúvida inversa é controversa

Alisto-me entre aqueles que consideram a chamada dúvida inversa um risco à segurança dos direitos entabulados no processo de registro. Admitida pelo pretório paulista, não raro a sua admissão gera inúmeras controvérsias – como a retratada na Ap. Civ. 0011346-11.2014.8.26.0566, julgada em 4/8/2016, cujo texto pode ser acessado abaixo.

Neste caso concreto, não houve a prenotação do título quando transitou pelo Registro competente, o que, de fato, acabou por potencializar os riscos inerentes à adoção desta via heterodoxa.

Mas é preciso reconhecer que há um interstício periclitante no processo registral que representa, inequivocamente, um risco aos direitos dos envolvidos. Entre a denegação do registro, a autuação do processo de dúvida inversa e a remessa ao Oficial para declará-la, prenotando o título, ocorre um interregno em que as portas do registro ficam abertas para acolhimento de outros títulos que podem representar direitos contraditórios.

A dúvida inversa, realmente, não deveria ser admitida. Por uma razão singela: ela ocorre à margem da lei. Figura muito típica e singular no ordenamento jurídico pátrio, a dúvida registral ostenta o caráter administrativo (art. 204 da LRP), mas experimenta um reforço formal na fase recursal de apelação, atraindo regras de direito processual. Aliás, a LRP é inteiramente coerente nesse aspecto, pois das decisões administrativas cabe recurso de apelação “com ambos os efeitos” (v.  § 4º do art. 76, § 3º do art. 109, art. 202, § 2o do art. 214, art. 275 todos da LRP).

Ainda recentemente, julgando o Recurso Especial 1.111.343-SP, o ministro Villas Bôas Cueva lembrou a lição de Walter Ceneviva no sentido de que a dúvida inversa é descabida e  que a sua adoção acaba por fragilizar o sistema de prenotação, malferindo, eventualmente, os direitos de terceiros e das próprias partes.

No bojo da discussão foi agitado o sempre relembrado acórdão do STF que claramente inadmitiu a figura após o advento da atual Lei de Registros Públicos, prestigiando o jurista bandeirante:

Duvida. Recurso extraordinário. Registro público. Dúvida inversa.

Configurando-se a hipótese como de dúvida – pois como tal foi proposta -insuscetível de ver examinado o acórdão do Tribunal de Justiça que a decidiu, na via do extraordinário. De observar que tendo sido a formulação da dúvida anterior a lei n. 6.015/73, a jurisprudência era vacilante quanto a admiti-la ou não sob a forma da chamada dúvida inversa, e que era aquela dirigida diretamente pela parte ao juiz, ao invés de o ser pelo oficial de registro. Após a Lei n. 6.015/73 e que a dúvida inversa tornou-se realmente inviável. (RE 77.966 – MG, j. 13/5/1983, DJ 17/6/1983 , rel. Aldir Passarinho.

Voltando ao caso versado na Ap. Civ. 0011346-11.2014.8.26.0566 destaque-se o voto vencido do des. Ricardo DIP:

“Ad primum, já é tempo de deixar de admitir o que se convencionou chamar dúvida ‘inversa’, ou seja, aquela levantada pelo próprio interessado, diretamente ao juízo corregedor.

A prática, com efeito, não está prevista nem autorizada em lei, o que já é razão bastante para repeli-la, por ofensa à cláusula do devido processo (inc. LIV do art. 5º da Constituição), com a qual não pode coadunar-se permissão ou tolerância (jurisprudencial, nota) para que os interessados disponham sobre a forma e o rito de processo administrativo, dispensando aquele previsto no estatuto de regência (Lei n. 6.015, de 31-12-1973, arts. 198 et seqq.).

Se o que basta não bastara, ainda há considerar que ao longo de anos a dúvida inversa tem constituído risco para a segurança dos serviços e mesmo para as justas expectativas dos interessados. É que, não rara vez (e o caso destes autos é só mais um exemplo dentre tantos), o instrumento vem sendo manejado sem respeito aos mais elementares preceitos de processo registral (o primeiro deles, a existência de prenotação válida e eficaz), de modo que termina sem bom sucesso, levando a delongas que o paciente respeito ao iter legal teriam evitado. (Ap. Civ. 0011346-11.2014.8.26.0566, São Carlos, j. 4/8/2016, DJe 2/9/2016, rel. des. Manoel de Queiroz Pereira Calças.

O desembargador é coerente. Em artigo que fez fortuna, publicado na Revista de Direito Imobiliário, assim destacou o tema da dúvida inversa:

“Incabível é a denominada dúvida inversa. Com efeito, a partir da vigência da Lei 6.015, de 31.12.73, mais não se justifica sua admissão, que tinha acolhida, sob o Regulamento de 1939, por isso que a suscitação da dúvida se entendia então facultativa.

Atualmente, contudo, sua dedução é indiscutivelmente obrigatória, tanto que requerida, e o caminho de viabilidade jurídica vem traçado na Lei de Registros Públicos.

Ainda sob o broquel de sua natureza administrativa não se vê razão para admitir um procedimento impróprio, quando não seja para colmatar lacuna da lei. E não é lacunosa, a propósito, a Lei de Registros Públicos (cf. STF, 2.ª Turma, RE 77.966, 13.5.83, Min. Aldir Passarinho […]).

Acrescente-se que a eventual recusa de suscitação pelo Oficial se atalha por procedimento administrativo disciplinar, tanto mais que essa recusa configura falta grave.

Não há, desse modo, nenhum motivo que justifique a tomada de caminho heterodoxo, com maltrato do que dispõe a Lei de Registros Públicos”. (DIP. Ricardo. RIBEIRO. Benedito Silvério. Algumas linhas sobre a dúvida no Registro de Imóveis. RDI 22, jul./dez. 1982).

Adiro inteiramente às razões invocadas pelo eminente desembargador paulista.

Note-se, de passagem, que no REsp 1.111.343 – SP (vide abaixo) não se discriminam as hipóteses de suscitação de dúvida – cabível tanto nos casos de mera averbação quanto de registro em sentido estrito. É bem verdade, outrossim, que também não se distinguiu, com a precisão desejável, a figura do registrador e do notário. Confira:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AVERBAÇÃO NO REGISTRO DE IMÓVEIS. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA INVERSA. NÃO CABIMENTO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO CORREGEDOR.

1. A parte pretende a anulação ou a reforma do acórdão estadual para que seja ordenado o desentranhamento de mandado judicial juntado nos autos do agravo de instrumento com o efetivo cumprimento pelo registro de imóvel.

2. Inviável o acolhimento de pedido de dúvida inversa – formulado pelo particular -, pois se trata de prerrogativa do oficial de registro.

3. Hipótese em que o serventuário registrador recusou-se a proceder ao cancelamento das averbações, pois entendeu necessário que a ordem judicial fosse transmitida via mandado, e não mediante ofício.

4. Manutenção do acórdão recorrido no sentido de que o descumprimento da ordem judicial deve ser dirimido pelo Juiz Corregedor do respectivo Registro de Imóveis.

5. Recurso especial não provido. (REsp 1.111.343 – SP, j. 3/12/2015, DJ 11/2/2016, rel. ministro Ricardo Villas Bôas Cueva).

STF – a remoção ainda rende emoção

Na série de decisões monocráticas proferidas pelo min. Teori Zavascki em mandados de segurança de registradores e notários do Estado do Paraná há uma síntese, quase pedagógica, do estado das discussões sobre o regime jurídico dos órgãos dos serviços notariais e registrais e de seus concursos. O pano de fundo das decisões são leis estaduais que permitiram a investidura por permuta.

Essas decisões assentam-se sobre os seguintes fundamentos:

  1. regime jurídico constitucional dos serviços notariais e de registro, (art. 236 da CF/1988) se baseia em normas consideradas autoaplicáveis. Trata-se de serviço exercido em caráter privado e por delegação do poder público com ingresso ou remoção por concurso público de provas e títulos.
  2. Trata-se de serviço público, porém o titular da serventia extrajudicial não é servidor e com este não se confunde.
  3. A partir da Emenda Constitucional 22/82, de 29/6/1982 exige-se a realização de concurso público para ingresso na atividade (alteração dos arts. 206 e 207 da Constituição então vigente). A legislação estadual que equipare os notários e registradores, ou os assemelhe a servidores dos tribunais, para qualquer finalidade, seja legislação de iniciativa do Poder Judiciário ou não, anterior à Constituição de 1988, deixou de ser com ela compatível, ressalvadas, apenas, as situações previstas no art. 32 do ADCT. Essas regras não foram recepcionadas pela nova ordem constitucional, estando, portanto, revogadas.

Remoção somente por títulos?

O mais interessante desse conjunto decisório é a afirmação, feita de passagem pelo min. T. Zavascki, de que, pela nova redação dada ao art. 16 pela Lei 10.506/02 (de 9/7/2002), “a exigência de provas e títulos permaneceu exigível apenas para o provimento inicial. A partir de então, exige-se, para remoção, apenas o concurso de títulos“.

Eis a regra legal citada pelo ministro:

Art. 16. As vagas serão preenchidas alternadamente, duas terças partes por concurso público de provas e títulos e uma terça parte por meio de remoção, mediante concurso de títulos, não se permitindo que qualquer serventia notarial ou de registro fique vaga, sem abertura de concurso de provimento inicial ou de remoção, por mais de seis meses.

Já anteriormente, o mesmo ministro Zavascki havia relatado Agravo Regimental em MS 29.500-DF (j. 15.12.2015, DJe 16/2/2016) reafirmando que a partir da Carta de 1988 o concurso público é inafastável – mesmo os casos de remoção. Todavia, deixa assinalada uma pequena ressalva:

“Assim, a partir de 5/10/1988, o concurso público é pressuposto inafastável para a delegação de serventias extrajudiciais, inclusive em se tratando de remoção, observado, relativamente a essa última hipótese, o disposto no art. 16 da referida lei, com a  redação que lhe deu a Lei 10.506/2002. As normas estaduais editadas anteriormente, que admitem a remoção na atividade notarial e de registro independentemente de prévio concurso público, são incompatíveis com o art. 236, § 3º, da Constituição, razão pela qual não foram por essa recepcionadas”.

No mesmo sentido: MS  29.557-DF, j. 15/12/2015, DJe 13/5/2016, rel. min. Albino Zavascki. Há outras decisões no mesmo diapasão.

O que seria exatamente o concurso de títulos?

O tema ainda remanesce maltratado na doutrina e na jurisprudência do STF. Vale a pena debruçar-se sobre ele.

Confira:

STF. Mandado de segurança. Serventia notarial e de registro – regime jurídico. Concurso. Permuta. Remoção – concurso de títulos.

  • MS 29.245/DF, d. 23/8/2016, DJe 26/8/2016, min. Teori Albino Zavascki
  • MS 29.260/DF, d. 23/8/2016, DJe 26/8/2016, min. Teori Albino Zavascki
  • MS 29.291/DF, d. 23/8/2016, DJe 26/8/2016, min. Teori Albino Zavascki
  • MS 29.615/DF, d. 23/8/2016, DJe 26/8/2016, min. Teori Albino Zavascki
  • MS 29.725/DF, d. 22/8/2016, DJe 26/8/2016, min. Teori Albino Zavascki

 

Emolumentos – legislação aplicável: estadual ou federal?

angeli_tributos2A decisão que abaixo publicamos é de uma importância extraordinária. A primeira turma do STJ, por unanimidade, denegou segurança a mandado impetrado pela  Federação da Agricultura e da Pecuária do Estado de Minas Gerais – FAEMG (e outro) contra ato da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais que determinara a observância da Lei Estadual mineira nº 15.424/2004 para fins de cobrança de emolumentos cartorários relativos ao registro das cédulas de crédito rural.

A controvérsia girou em torno da seguinte questão: prevaleceria o teto máximo previsto no art. 34, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 167/67 para cobrança de emolumentos devidos pelo registro de cédulas de crédito rural?

A corte entendeu que o referido Decreto-Lei n. 167/67, anterior à Constituição da República de 1988 e à lei regulamentadora do seu art. 236, § 2º, que conferiu novo regime jurídico ao tema, foi derrogado pela legislação emolumentar superveniente.

Lei n. 10.169/00 instituiu novas regras sobre os emolumentos e estas hão de prevalecer, segundo a corte, prestigiando a competência dos Estados-Membros de legislar sobre o assunto, em respeito e homenagem ao pacto federativo.

A conclusão é singela: houve a derrogação do art. 34 do Decreto-Lei n. 167/67 pela Lei n. 10.169/00, a teor do disposto no art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB.

O estudioso certamente irá se recordar que o STJ, de modo reiterado, vinha decidindo que a legislação que conferia gratuidades e descontos à União Federal, toda ela anterior ao advento da nova ordem constitucional, ainda estava em vigor e prevalecia, imperando os descontos e isenções que a todo jurista de escol soavam como perfeitamente inconstitucionais.

Vale a pena deter-se na leitura atenta do v. aresto, que traz elementos mais do que suficientes para afastar essa aberração generosa que se irradia magicamente pela administração e tribunais.

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO. AUSÊNCIA DE VÍCIO. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. REGISTRO. EMOLUMENTOS. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. LEI ESTADUAL QUE, COM BASE EM LEI FEDERAL, ELEVOU OS CUSTOS PARA O REGISTRO NOTARIAL DA CÁRTULA. VALIDADE. OBSERVÂNCIA DO LIMITE ESTABELECIDO PELO ART. 34, E, DO DECRETO-LEI N. 167/67. DESNECESSIDADE. DERROGAÇÃO DO DISPOSITIVO CORRELATO DO DECRETO-LEI PELA LEI FEDERAL POSTERIOR. ART. 2º, § 1º, DA LINDB. APLICAÇÃO.

I – A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade.

II – A Lei n. 10.169/00, ao regulamentar o art. 236, § 2º, da Constituição da República, estabeleceu “normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro”, deixando ao arbítrio dos Estados e do Distrito Federal a fixação do valor dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos respectivos serviços notariais e de registro.

III – Em 2004, foi promulgada a Lei Estadual mineira n. 15.424/04, a qual, com base na mencionada lei federal, elevou os custos para o registro da cédula de crédito rural, à revelia do limite estabelecido no art. 34, e, do Decreto-Lei n. 167/67.

IV – O Decreto-Lei n. 167/67 é anterior à Constituição da República de 1988 e à lei regulamentadora do seu art. 236, § 2º, que conferiu novo regime jurídico ao tema, de modo que a Lei n. 10.169/00instituiu novas regras sobre os emolumentos, as quais hão de prevalecer, prestigiando a competência dos Estados-Membros de legislar sobre o assunto, em homenagem ao princípio federativo.

V – Derrogação do art. 34 do Decreto-Lei n. 167/67 pela Lei n. 10.169/00, a teor do disposto no art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB.

Simulação e a qualificação registral

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Pode o registrador qualificar um título de venda e compra, de extração notarial, e impedir o seu acesso baseado em elementos que levam à convicção de tratar-se de simulação?

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis que tem por objeto uma escritura de compra e venda em que o preço do negócio, equivalente a R$ 5.000,00, foi considerado vil, levando-se em consideração que a disparidade entre o valor da venda e o venal de referência, na data do instrumento correspondia a R$ 419.314,00.

O Registrador argumentou que, apesar de denominado compra e venda, o negócio aparenta ser uma simulação, com características de doação. Ressaltou a coincidência dos sobrenomes da vendedora e compradora, “denotando algum grau de parentesco entre elas.”

A magistrada, calcada na doutrina de Carlos Roberto Gonçalves, para quem a simulação é “uma declaração falsa, enganosa, da vontade, visando aparentar negócio diverso do efetivamente desejado” e com fundamento no inc. II do art. 167 do CC., julgou a dúvida procedente e confirmou a denegação do registro. Além disso, deixou consignado na r. sentença que “a consideração de um negócio por outro trará repercussão na esfera tributária” e que ao registrador “cumpre fiscalizar o pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício, na forma do art. 289 da Lei nº 6.015/73, sob pena de responsabilização pessoal, salvo hipótese de isenção devidamente demonstrada”.

É certo que pode ainda ocorrer um recurso e o tema seja revisitado pela instância superior.

Compra e venda – simulação. Valor irrisório. Nulidade. Qualificação registral – impostos.Dúvida – simulação de venda e compra – valor do objeto irrisório em face do real – nulidade – procedência. Processo 1062805-07.2016.8.26.0100, São Paulo, j. 12/8/2016, DJe 16/8/2016. Dra. Tânia Mara Ahualli. Legislação: CC art. 167, II; LRP art. 289.